Moeda baldia

Graças à lei estatal ou à de agregações de Estados no caso da eurozona, existem entidades, qualificadas estatalmente como bancárias, capazes de colocarem em circulação dinheiro de curso legal, tão desamparado de bens tangíveis ou contravalor como o papel emitido polos bancos centrais. O resto de pessoas, físicas e jurídicas, têm proibido criar dinheiro, ainda que seja com algum contravalor.

Por José Tubío | Ferrol | 07/12/2012

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A banca comercial ganha dinheiro procedente dos juros dos empréstimos a particulares e aos próprios Estados, de quem se serve e nos que globalmente governa - segundo o modelo Goldman Sachs, hoje em alguns casos já diretamente sem intermediários políticos - obtendo assim as garantias jurídicas que precisa a sua atividade. Entre elas o mecanismo de reserva fraccionada e os mínimos legais dessas reservas para cada tipo de produto, e a progressiva bancarização da atividade económica, que funciona a crédito e sobre a que se aplicam juros e tarifas por operações. 
 
Se a cadeia de dívida falhar (por exemplo, no mercado hipotecário) o Estado intervém com dinheiro dos tributos, nacionaliza as perdas e reprivatiza a atividade. Trato de favor só ao alcance de privilegiados (grande indústria, grande banca, e pouco mais). Com estes apoios governamentais acontece que alguma entidade - só uma - possui em activos o equivalente ao PIB anual espanhol.
 
Outro privilégio das entidades bancárias é que parte do seu negócio está garantido polos seus Estados (de ordinário, antes de falência): os depósitos e contas à vista até os 100.000 euros por pessoa. Porém, se o cliente tivesse investido essa quantidade numa empresa que vai à bancarrota, o Estado não lhe garante o dinheiro. Não garante nada do que faça com esse dinheiro excepto depositá-lo no banco. O que significa que o Estado corre com parte do risco e consequências da gestão duma empresa privada, em teoria para proteger as poupanças das pessoas, na prática para proteger e fomentar um sector empresarial particular. Se não existisse esta garantia, os depositantes, pessoas com até 100.000 euros de património, teriam conta de onde metem o seu dinheiro na hora de elegerem um ou outro banco, do mesmo jeito que têm cuidado na hora de comprar um imóvel, acções ou qualquer outra cousa que não esteja garantida legalmente. Ademais de proteger um negócio privado, o Estado também está a proteger o capital e o interesse particular das pessoas que o acumularam, algo que custa dinheiro dos impostos procedentes também de quem não tem esse volume de capital, como agora se está a ver com o resgate ao sistema financeiro espanhol.
 
Um outro modelo deveria servir para que a extracção de recursos da economia em forma de juros e tarifas que vão às mãos duns poucos revertesse no conjunto da população que gerou essa atividade. Ora, criar uma banca pública (ou comunitária, de modo que permita um funcionamento democrático) alternativa à privada atual que possa fazer isso, não elimina a natureza do dinheiro nem o papel que desenvolve atualmente onde já não é só, nem muito menos, um instrumento para facilitar o pagamento das transacções económica.
 
No modelo presente as pessoas só podem aceder ao dinheiro através dos bancos, o mercado secundário. O valor do dinheiro que os bancos centrais injectam através da banca comercial é à partida inexistente. A sua procura existe graças à legislação ou legislações estatais, complexa, mas que principia pola necessidade de pagar impostos na moeda nacional. 
 
O monopólio na criação e controlo da moeda nacional blinda-se com 2 mecanismos: a) a proibição de criar moeda alternativa (com ou sem contravalor real), e b) a obrigatoriedade de aceitar como meio de pagamento o dinheiro estatal/bancário, o euro neste caso. Com estas duas ferramentas é como se constrói a empresa ou fábrica estatal, transnacional falando da eurozona. Desde que só se pode operar com o dinheiro bancário, só se pode pagar em euros. Desde que é obrigatório aceitar euros, necessariamente tem-se de cobrar nesta moeda. Toda a atividade económica das pessoas é traduzida em moeda nacional e computada nas correspondentes estatísticas económicas nacionais. Se a competitividade da mão-de-obra nacional é pouco elevada em relação a outros Estados, as "autoridades" depreciam a moeda estatal obrigatória por lei (mudando o tipo de câmbio oficial ou o preço do dinheiro e/ou inundando a economia de bilhetes para que cada um deles vala menos), de jeito que a mesma quantidade de trabalho assalariado vale menos. Se não há hipótese de alterar a moeda para aumentar a competitividade com outras empresas-Estado, então rebaixam-se os salários, como está a acontecer agora. Não é possível escapar do ciclo produção-consumo-impostos porque ele passa pola moeda estatal.
 
Não é um funcionamento "desregulado", senão uma hiperregulação em favor de determinados interesses e lobbys. O que originalmente era um instrumento para facilitar a troca comercial, serve hoje para garantir o funcionamento das economias estatalizadas, com a existência a priori dos aparelhos militares (bem anteriores aos serviços sociais) e o necessário corolário do trabalho assalariado cujo engado é o dinheiro nacional transformável em consumo. No que diz a respeito da capacidade militar, sem o monopólio monetário não se poderiam configurar os exércitos estatais e, sem os EUA terem conseguido o status de moeda reserva internacional para o dólar obtendo recursos tangíveis e serviços de todo o planeta em troca do seu papel-moeda, não poderiam manter o império militar global. Um colonialismo monetário que, por sua vez, só é possível manter graças ao poderio militar, encerrando o círculo.
 
Há quem apresenta como alternativas viáveis ao actual modelo as cooperativas de crédito e as moedas locais/sociais sem mudanças políticas prévias. Porém, os obstáculos jurídicos para a criação de cooperativas de crédito, inclusive as concebidas na lógica do atual sistema financeiro, são enormes (como caberia esperar), a começar polos requerimentos mínimos de capital só aptos para "capitalistas" e, uma vez criadas, contam com desvantagens. Por citar uma: exigência de maiores taxas de reserva a respeito da banca privada tradicional com a que têm de concorrer.
 
Quanto às moedas locais: na sua versão plena e funcional são basicamente ilegais. Só na fórmula de "vales" de compra e inventos dessa natureza limitada é que são possíveis. Pode-se lembrar o caso do liberty dollar do que deu cabo o FBI.
 
Um outro modelo monetário, e como consequência também financeiro, descentralizado e democrático, passa pola desaparição do monopólio estatal de emissão de moeda. Reconhecer a liberdade - soberania - de pessoas e comunidades para estabelecerem, regularem e elegerem democraticamente fórmula/s de pagamento nas trocas comerciais, potencialmente diferente/s da moeda estatal. Possibilitando assim a existência dum mercado livre monetário (de fórmulas de pagamento) que permitiria evitar o sugado a nível local de recursos naturais através da moeda imperial. Aumentar a soberania das pessoa e capacidade de se autogovernarem, intervirem e decidirem (e errarem e aprenderem) acarreta também eliminar as barreiras para a criação de cooperativas de crédito e dar cabo da intervenção estatal em favor das entidades bancárias, não só no relativo à reserva fraccionária e as suas taxas legais, senão também deixando de lhes garantir o negócio dos depósitos e suprimindo medidas que obriguem à bancarização (polo menos na sua conceção atual) da atividade económica. 

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José Tubío Rois (1979). Estudei progamação de aplicações informáticas e, como bolseiro da fundação Juana de Vega, engenharia técnica florestal e engenharia de montes. Depois licenciei-me em direito. Trabalhei, entre outras cousas, na exploração agrária familiar, na defesa contra incêndios, fui chefe de formação do centro de formação e experimentação agrária de Becerreá e, na atualidade, trabalho no ministério de administrações públicas. Sou sócio da AGAL e da AC Pró-AGLP.