Uma AGE rebatizada e um BNG refundado

Já dizia o velho Empédocles que os motores que regem o mundo são o amor e o ódio, dos quais o primeiro é a força unitiva e o segundo a força afastadora. Ambos movem montanhas, em palavras evangélicas, mas o primeiro constrói enquanto que o segundo destrói. Na Assembléia do BNG de Ámio de 2012 explodiram ressentimentos e dissensões longo tempo incubados que não acharam na organização uma via de solução; foi-se diretamente á confrontação e todos saíram perdendo, embora os restos da explosão tiveram distintas derivas. Mutatis mutandis é o mesmo que está a passar com Catalunya, que, ao não achar uma via de canalização das suas aspirações no Estado espanhol, rebenta e faz tensionar um sistema imobilista espanhol, fechado a todo câmbio no que respeita o sistema de distribuição territorial do poder.

Por Ramón Varela | A Coruña | 10/11/2015

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Os frutos de Ámio foram: um BNG debilitado; uma facção, denominada Encontro Irmandinho, liderada por Beiras; e outra Mais Galiza, liderada por Aymerich e logo Bascuas. Isto deveria servir de lição de cara ao futuro, já que nos faz ver que o integrismo organizativo ou o império da lei ou dos estatutos não lhe podem pôr barreiras ao campo; não podem coutar indefinidamente as aspirações dos indivíduos e/ou dos povos, e que um câmbio tempestivo é indício de inteligência política. 
 
A fação formalmente ganhadora na Assembléia, «Alternativa pola Unidade», liderada por Guilherme Vázquez, que seria a que permaneceu no BNG, não soube eleger um candidato idôneo e semeou a defecção incluso entre muitos dos seus mesmos aderentes, e traduziu-se numa baixada constante na aceitação popular. O «Encontro Irmandinho», após rebatizada como «Anova», carente de qualquer infra-estrutura organizativa, elegeu como companheiro de viagem a Izquierda Unida, que, na Galiza a essa altura, era irrelevante, formando a coligação AGE, que, apadrinhada por um importante apoio mediático, que tentava diminuir os apoios aos BNG, logrou um êxito eleitoral importante nas autonômicas de 2012. Para esta viagem, teve que renunciar a um dos postulados nacionalistas e confessar que, a essa altura, o mais importante é o câmbio do modelo de sociedade, ou seja, a confrontação esquerda-direita, ao tempo que, no modelo de Estado, quer dizer, a confrontação nacionalismo espanhol-nacionalismo galego, o importante é mudar o marco político espanhol, como se fossem incompatíveis e não se pudesse assobiar e montar a cabalo ao mesmo tempo. O seu corolário foi uma nova iluminação do áugure  Beiras, de que há que optar polo federalismo e não polo nacionalismo, porque Galiza carece da consciência nacional que tem Catalunya. A terceira facção, «Mais Galiza», transformada em «Compromisso por Galícia», optou pola via socialdemocrata no modelo de sociedade e por menos Galiza, ou seja por um nacionalismo light, do qual também é indicativo o seu câmbio de nome, que eles denominam galeguismo, como modelo de Estado. Este galeguismo nem eles mesmos sabem dizer-nos que é e cada um entende-o ao seu modo; uns como nacionalismo e outros como mero autonomismo. Seriam os melhores representantes na Galiza da alternativa de Unió Democrática de Catalunya. Até o momento o seu apoio cidadão foi escasso salvo nalguns concelhos determinados, algum muito significativo, como o de Lalim.
 
Os membros da coligação AGE, e também a mesma coligação, deram uma prova manifesta de divisionismo político, inoperância organizativa, irrelevância social e histrionismo parlamentar; o qual teve como corolário que não podiam volver a apresentar-se como tales a umas novas eleições. O assunto solucionou-o Alberto Garzón, montando, para Galiza, um sucedâneo autóctone do nacionalismo que seriam as denominadas Marés, que se reduziam á mesma AGE com aditamento podemita, que obteve também um grande êxito eleitoral. O truco utilizado para conseguir o milagre foi o da unidade popular, que é o maior fraude político que se está a vender á cidadania, porque, em primeiro lugar, nunca houve nem haverá unidade popular, porque todas as sociedades são plurais na sua composição interna; em segundo lugar, porque essa recorrência á unidade popular não é mais que um eufemismo para ocultar o protagonismo partidário num momento em que os políticos estão fortemente desacreditados, e, por tanto, uma mostra de camaleonismo político, também refletido nos contínuos câmbios de denominação. Que isto da unidade popular não é mais que um slogan político pôs-se de manifesto com a apresentação do preacordo entre as cúpulas dos três partidos: Anova, IU, Podemos, para concorrer juntos ás gerais, ridicularizando as gestões que vinha realizando Encontro por uma Maré galega, agora transmutado em foro político, e os reiteradas manifestações do próprio Beiras de que a cidadania seria o motor principal e os partidos o secundário. Os partidos são, neste caso, o único motor.
 
O novo nome elegido para as eleições gerais Maré-Podemos, pretende aproveitar o tirão das Mareas, em espanhol como deve ser, intentando repetir o êxito obtido por estas nas municipais, e com a participação dos mesmos atores: Podemos, Anova, IU, ou seja, dous partidos espanholistas e um partido federalista. O federalismo não é mais que uma técnica de distribuição do poder político, que, de por si, não tem em conta os elementos substantivos que constituem uma nação. Pode dar-se entre nações, mas também entre províncias, cantões, cidades, etc. O PSOE e Ciudadanos não têm empacho em pregoar o federalismo, mudando de nome ás que agora são comunidades autônomas, e chamando-lhe estados federados, e denegando que estas sejam nações. 
 
O BNG atuou inteligentemente e foi capaz de refundar-se com todos os atores que, neste momento, representam algo, ainda que não seja muito relevante neste momento, no âmbito galego, tanto a nível individual como coletivo, e estão dispostos a implicar-se para mudar este país. Creio que esta injeção de nova sábia lhe pode vir muito bem para cambiar a imagem do BNG de organização pouco flexível e permeável aos novos tempos. Há que terminar com a política das purgas, que foram uma constante na organização, e dar entrada a todo aquele que queira trabalhar polo país, também naturalmente, aos do 15 M, pois, como dizia Castelao, numa vinheta de 1922, intitulada precisamente «nacionalismo»: “Não lhe ponhais tacha á obra mentes não se remata. O que cuide que vai mal, que trabalhe nela; há sítio para todos”. Evidentemente, essas pessoas têm que compartir uns determinados princípios, e, o mais básico de todos, o direito a decidir ou direito de autodeterminação dos povos, para que O Estado espanhol cambie o seu modo de atuar, e dê pretexto a que alguns o denominem como um cárcere dos povos.
 
O ressentimento conduziu aos antigos membros do BNG a adotar práticas políticas que buscam preferentemente acabar com o outro em vez de construir em positivo. Tenho a impressão que o Beiras não foi bem tratado nas listas eleitorais polo seu sucessor na porta-vozia, Anjo Quintana, mas igualmente, que ele se dedicou a fazer-lhe a contra a este desde o primeiro momento, quiçá com a finalidade de que não se consolidasse; também considero que, na sua nova etapa, é o ressentimento o que está a marcar a sua atuação em contra do nacionalismo, que sempre visou a destruir e nunca a estabelecer pontes de comunicação para construir entre todas as organizações nacionalistas uma alternativa forte galega. O seu anseio de supervivência política fá-lo tomar as decisões que geram o maior descrédito da sua antiga organização e da mesmo termo «nacionalismo», termo do que vários dos mesmos dirigentes de Anova sentem complexo. Creio que é o momento de que muitos dos que participaram na Assembléia de Ámio dêem um passo atrás e permitam que novas pessoas e caras passem a liderar o nacionalismo galego, e, neste sentido, creio que tanto Beiras, como Paco Rodríguez e o mesmo Bascuas, devem passar a segunda linha, parece que o Paco já o fez, e ceder o relevo a gentes sem ressentimento e sem complexos que saibam trabalhar construtivamente polo futuro deste país. Se chegassem ao poder as esquerdas de Podemos, IU e PSOE, o problema da Galiza seguiria igual sem solucionar. Nenhum partido espanholista vai procurar a eliminação da tarifa única, obrigar a que as empresas, com centros de produção na Galiza, tributem aqui; vai pular por um desenvolvimento centrado no país, etc. Galiza necessita não menos senão mais nacionalismo, incluído também um nacionalismo de direitas, uma eiva histórica da nossa nação que estamos a pagar muito caro. 
 
A respeito do fracasso da candidatura galega de unidade considero que estava cantado, porque as Marés sentem-se fortes e atuam como de acordo com o esquema do darwinismo político, ou seja, de destruir e eliminar o adversário. Com todo, não é nenhum apocalipse, porque o país precisa uma organização nacionalista forte e coesionada, e há que dar-lhe saída a este anseio desde nós mesmos. É muito louvável o rol que desempenharam nesta tarefa pessoas como Suso de Toro, José Manuel Pereiro, e tantos e tantos outros, mas não há pior xordo que o que não quer ouvir, e somente puderam assistir, como espetadores atónitos, a um espetáculo de cinismo maiúsculo dalguns dos dirigentes implicados.         
 

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