Retrospetiva e prospetiva sobre a política nacionalista galega

Quero antes de nada sublinhar a importância da crítica, e também da autocrítica, para a melhora das organizações e da sociedade em geral, o qual não deve restar apego para seguir defendendo aquelas que mais se acomodam ao que consideramos mais idôneo de cara a um futuro melhor.

Por Ramón Varela | A Coruña | 04/02/2016

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Se a monarquia, a igreja, o exército, não gozassem duma espécie de proteção especial frente á crítica, não estariam na situação atual. Mas toda crítica tem como requisito imprescindível que seja construtiva, e, para ser construtiva tem que ser uma crítica veraz. Não digo uma crítica objetiva, porque a objetividade não existe, dado que toda opinião parte de sujeitos situados, quer dizer, de sujeitos com as suas fobias e filias, com os seus interesses e preocupações, com os seus pre-conceitos e vivências prévias. Do que se trata é de que evitemos a manipulação, o falseamento dos dados, a ocultação da verdade, ... Com todo, a crítica construtiva deve ser distinguida da crítica estéril e da crítica irrelevante, que muitas vezes afoga principalmente as organizações de esquerda. Eu procurarei manter-me sempre dentro desta tônica, e espero que assim se tome.

Quando um bota a vista atrás do acontecido e conseguido e sobre a situação atual da política nacionalista, o panorama não deixa de ser desolador. Após trinta e pico de anos estamos no dia de hoje numa das piores situações do nacionalismo galego, e quase igual que ao princípio. É evidente que isto teve umas causas, que foram as decisões erradas tomadas por pessoas, muitas vezes acaçapadas dentro das organizações, praticamente todas vivas, que parece que esta história de fracasso não vai com elas e que nem sequer têm o pudor de botar-se a um lado, para que sejam novos protagonistas os que dirijam o processo político. Ao revés, são as que se apresentam como as mais capacitadas para endireitar o rumo duma nave que eles fizeram soçobrar. Passemos revista ás principais organizações nacionalistas.

O BNG (Bloque Nacionalista Galego), criado em 1982, não  tem uma estrutura baseada na historia do nacionalismo galego, senão que foi importada do País Vasco, em concreto foi uma mimese de Henri Batasuna, criada em 1978 e constituída, ao igual que o BNG, por uma série de partidos políticos que se integraram no seu seio, que deixou de existir formalmente no 2001 após ter padecido diversas excisões, também igual que o BNG, dos seus partidos integrantes. O nome de Bloque, como se fez constar em diversas ocasiões, não é propriamente galego, senão que foi copiado do espanhol, num momento em que o conhecimento lingüístico era mais bem escasso,  que favorece o «castrapo» na nossa língua, afastando-o do seu tronco natural, mas que agora parece que para alguns representa um grande tesouro e, por isso, de caráter inamovível. 

O seu ascenso social, até situar-se como segunda força servindo-se do carisma e projeção mediática de Beiras, obedecia, em grande parte, a uma necessidade social e produziu-se num momento em que sintonizava com a cidadania e era visto como um instrumento útil e de futuro, inclusive por parte de muitos que não eram nacionalistas. Os avatares posteriores são bem conhecidos: recrudescem as tensões internas, incrementa-se o anseio de controle, e os que tinham a autêntica chave do poder pretendem solucioná-las pela via da cirurgia, que teve o seu ponto álgido a assembléia de Âmio de 2012. A partir deste momento, a decadência acentuou-se dum jeito progressivo e parece que imparável. 

Uma organização com diversos partidos políticos estruturados no seu seio, tende a ser ineficiente, pesada, cara, conflituosa e, quando convivem com militantes independentes, desigualitária. É ineficiente porque grande parte da energia investe-se em suster vivo e dar-lhe protagonismo ao partido originário; é pesada porque os partidos costumam tomar posições antes que se pronuncie a organização resultante o qual atrasa o processo de decisões; é cara, porque duplica-se o gasto em dinheiro, sedes, viagens,  ...; é conflituosa porque tende a desatar a luta pelo poder entre os diversos partidos; é final mente é desigualitária porque os partidos tendem a colocar os seus nos postos representativos marginando mui especialmente os independentes. Quiçá os membros afiliados aos diversos partidos que convivem no BNG nunca excedessem de dous mil dum total duns oito mil, ou seja, um vinte cinco por cento, mas os postos de saída para as eleições estiveram quase sempre copados pelos membros dos partidos integrantes da organização. Que alguém me corrija se me equivoco. Se consultarmos, por outra parte, o que sucedeu com organizações semelhantes, todas terminaram como o rosário da aurora. Herribatasuna consumiu-se numa luta na que, ao final, unicamente ficou um partido no seu seio. Izquieda Unida dessangra-se também entre uma luta dos seus diversos partidos integrantes, muitos dos quais foram abandonando a organização: Partido Humanista, Federação Progressista, Partido Comunista dos Povos de Espanha, Partido Carlista, e também pela a indisciplina e falta de coesão entre as diversas federações. Nos nossos dias também experimenta um devalo mui importante que intenta corrigi-lo acovilhando-se num partido que a ressuscite deste processo de deriva. CiU (Convergência i Unió) teve um êxito eleitoral mui importante que lhe permitiu governar muito tempo em Catalunya, mas bastou o debate sobre a independência para que se desfizesse.

No BNG alguns pretendem solucionar o seu problema de deriva, recluíndo-se no seu caparação e esperar, assim protegido por melhores tempos por considerar que a razão está da sua parte, e que o povo volverá, mas para que volva cumpre nunca perder de vista que não se trata de forjar o povo do Bloco, senão o Bloco do povo, pois somente isto é o que permitira compaginar nacionalismo e democracia e recuperar a sintonia perdida. Alguém pretende justificar esse autismo em base a que a Galiza tem necessidade de organizações próprias com os pés na terra, com o qual concordo plenamente, ainda que quiçá não com as conseqüências que se querem extrair disso. Considero também claro que o nacionalismo tem que seguir existindo para pular pelo reconhecimento dos nossos direitos nacionais, para conseguir o objetivo de viver numa nação que decide livremente o seu futuro e é respeitada pelos demais; e uma vez conseguido isto,  para manter viva a chama da nacionalidade, frente ao exterior. Mas creio que é difícil suster que o mantimento dum projeto é independente dos resultados eleitorais, porque isto implicaria que a organização, suceda o que suceda, sempre tem razão, e, por tanto, a botar-lhe a culpa totalmente a fatores alheios á própria atuação política.  Aliás, ter partidos próprios com pés na terra não deve excluir a confluência com pontual com formações que favoreçam a nossa estratégia. Defender o direito a decidir e a soberania do próprio país é básico, mas não basta com ter alguns objetivos estratégicos fulcrais dificilmente rejeitáveis, senão que cumpre também pôr em prática as medidas organizativas e políticas oportunas e eleger as pessoas idôneas para poder efetivá-los.

O problema não está nos objetivos que se perseguem, senão em que o nacionalismo galego perdeu a sintonia com a sociedade, em especial com os moços e os setores adultos mais inquietos. Foram as contínuas tensões internas produzidas numa organização que, por uma parte,  pretendia integrar amplos setores da sociedade, e, pela outra, manter o seu monolitismo ideológico e um férreo controle e animadversão com os dissidentes internos. Não se pode manter a coesão interna pretendendo que todos bailem ao som dum partido marxista leninista refém dos dogmas do centralismo democrático e do partido como vanguarda revolucionária que conhece o devir histórico. Este centralismo democrático significa que as decisões se tomam pelas elites por maioria de votos e após são enviadas ás células e a toda a organização para que as referendem. Por tanto, a militância tem um rol de ratificação das medidas tomadas por umas elites do partido, e que quem controla estas elites, controla também a toda a organização. Isto explica a queixa de muitos do BNG de que estão cansados de perder, porque o partido dominante sempre impõe as suas decisões, apesar de ser mui minoritário no seio da organização (uns 1.200 sobre 7.000). A concepção do partido vanguarda é totalmente inviável nas nossas sociedades, muito mais esclarecidas que quando Lenine propôs esta alternativa, e especialmente nas sociedades de democracia liberal, como é a vigorante em Ocidente; hoje é o momento do protagonismo da cidadania, sem que isto implique a desaparição das elites, mas estas não são tais se não são capazes de interpretar e assumir os anseios da cidadania. No BNG, o liderado dum partido leninista conduziu a uma bicefália na que o partido impõe as decisões e os representantes orgânicos oficiais assumem a responsabilidade dos resultados.

Também se curto-circuitou a sintonia da sociedade por uma gestão por vezes ineficiente e muitos casos justiceira, que não sempre tinha presentes os interesses e aspirações cidadãos. Não vale apresentar-se como os puros ante o cidadão em vez de pôr-se ao ser serviço. A política praticada pelos diversos partidos no Estado espanhol foi a do poder, em vez da de serviço. Uma vez têm-me dito num concelho textualmente: «nós não estamos aqui para resolver problemas dos vizinhos». O primeiro que me veio á mente foi: e logo para que estais e para que vos pagamos? De quem resolvem os problemas? Parecia-me duro perguntar-lho e calei. Esta política-poder deve ser substituída pela política-serviço, e isto não tem nada que ver com incumprir a legislação, senão de favorecer aos vizinhos sempre que não se colida com a lei.

Anova foi a excisão mais exitosa das que saíram do BNG, e teve um sucesso muito importante apesar da sua escassa militância e deficiente implantação no país, e sem dúvida favorecido pelo carisma e popularidade de Beiras e pelo rol relevante que jogam, nos nossos dias, os meios de comunicação de massas na conformação da opinião pública. O ex-portavoz da formação nacionalista bendisse todas as práticas da UPG mentes ele se viu favorecido, mas quando lhe cercearam o seu poder começou um crítica implacável contra o BNG, aquele germe de Estado, que produziu um efeito devastador sobre esta organização, que se traduziu num transvase de votos mui importante ao seu favor. Isto indica que na sua deriva e na criação de Anova há muito de enfrentamento pessoal com a cúspide da UPG, que repercutiu negativamente em todo o nacionalismo galego.

Eu propor-lhe-ia duas críticas a este partido. A primeira é a escassa capacidade de integração de Anova que teve como resultado a importante excisão do setor nacionalista que convivia no seu seio. Antes de produzir-se, dizia-me alguém notório na cidade de Santiago, simpatizante e não sei se militante desta organização: «há que botar a essa borralha fora»; ao qual lhe respondi: normalmente os partidos de esquerda e nacionalistas não são capazes de dirimir as suas discrepâncias mais que com purgas, enquanto que a direita mantém-se mui mais unida e ai parece que cabem todos. O motivo alegado é que se tratava de almas distintas, mas o curioso é que se converteu num foco de confluência doutras almas dispares, e que ainda agora quer ampliar o seu rol atrativo. Esta excisão e a falta de disciplina interna saldaram-se com a perda de nada menos que três parlamentares por parte de AGE e um notório desgaste social.

A segunda crítica tem que ver com a sua maridagem com o espanholismo, rejeitando outras noivas nacionalistas, como podia ser Compromisso por Galiza, que estava desejando que a levassem ao altar. Isto foi produto duma súbita iluminação do Beiras, que se deu conta de que os galegos somos impotentes para liderar o nosso futuro, e, por isso decidiu encomendar-se primeiro a IU, rejeitando a Podemos para as européias por carecer de fiabilidade, e, uma vez deteriorado o noivado com IU e ser esta organização superada por Podemos, reconhecer os grandes valores da noiva antes despeitada. Com esta medida, Anova rompeu uma constante histórica no nacionalismo galego, porque a coligação do Partido Galeguista com o Frente Popular não era equiparável, pois neste Frente estavam desde partidos de centro esquerda como Izquierda Republicana de Azanha ou mesmo a ORGA, até os socialistas e comunistas, e tinha um objetivo claro, que era conseguir que o Governo lhe desse o visto bom ao referendo do Estatuto galego, que fora congelado pelas direitas da CEDA. Desta vez si que conseguiram grupo próprio no Congresso e mantiveram toda a sua independência funcional, além de lograr que em pouco mais de três meses estivesse plebiscitado o Estatuto de Autonomia de Galiza de 1936. O Frente Popular não criou grupo próprio no Congresso e, por tanto, respeitou a autonomia de todas as minorias integradas na coligação, numa situação que não é comparável com a atual, na que unicamente Podemos tem grupo próprio ao tempo que Em Maré teve-se que conformar com a promessa, sem que ninguém fosse capaz de justificar este fiasco, apesar de ter sido advertidos reiteradamente de que isto não era fatível. Ademais, o que nunca fez, nem seria compreensível que fizera nunca Castelao, foi decantar-se pelo nacionalismo espanhol em contra do galego. Uma vez unificado o nacionalismo galego, si que seria assumível, em determinadas circunstâncias e para objetivos concretos, decantar-se por uma coligação temporal com outras estruturas alheias ao país, sempre mantendo a própria idiosincrassia e os seus objetivos estratégicos. 

Compromisso por Galicia optou pela via de descafeinar o seu nacionalismo, começando mesmo pela denominação, denominando-se galeguismo e por Galícia em vez de por Galiza, para não assustar o «etablissement», e optou por uma política de esquerdas, dentro da socialdemocracia. Na sua fase de incubação prometera ocupar um amplo espaço político, que foi designado pelos seus militantes depreçativamente como atrapa-o todo, mas, como resultado das críticas internas, decidiu ficar em atrapa-o nada, fracassando no seu intento de competir no campo do BNG ou Anova com uma estrutura muito mais consolidada..

Entretanto, observamos que o campo do centro-direita e centro ficar ermo para o nacionalismo galego, porque se expandiu a convicção de que a Galiza é um lugar singular no mundo e que aqui seria inviável um nacionalismo de direitas, apesar do contra-exemplo que nos ofereceu a Coligação Galega de Eulógio Gómez Franqueira, que da noite para a manhã conseguiu nada menos que 11 parlamentares, mais, por tanto que o que hoje têm AGE ou o BNG. As divergências no seu seio, uma vez que o fundador de COREN se afastou da direção, deram ao traste com esta experiência sumamente prometedora. É difícil que um partido tão corrupto como o PP, favorecedor de dar contratos e empresas forâneas e desinteressado pelo futuro dos setores produtivos galegos, como se demonstrou no caso dos camponeses e marinheiros, represente o futuro do empresariado autóctone, e entretanto não exista uma formação própria que ocupe este espaço, Galiza dificilmente vai ter futuro.

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