O medúlio ganadeiro

O ano 22 a.e.c. teve lugar no monte Medúlio o último capítulo duma batalha entre os guerreiros galegos, cântabros e astures contra as legiões romanas ao mando de Caio Fúrnio e Públio Carísio e no que os últimos resistentes se suicidaram para não cair em mãos dos inimigos romanos. O historiador romano dos s. I e II, Lúcio Aneo Floro oferece o seguinte relato deste episódio: “Por último teve lugar o assédio do Monte Medúlio, sobre o qual, depois de cercá-lo com um fosso contínuo de quinze milhas, avançaram a um tempo os romanos por todas partes. Quando os bárbaros se vem reduzidos á extrema necessidade, em meio dum festim, deram-se morte com o lume, a espada e o veneno exprimido da árvore teixo. Assim a maior parte liberaram-se da catividade, que a uma gente até então indômita parecia mais intolerável que a morte.” (MARTINO EUTÍMIO, Roma Contra Cántabros y Astures. Nueva Lectura de las Fuentes, Editorial Sal Terrae, Santander, 1982, p. 32). Ante uma situação desesperada, estes guerreiros preferem a morte a um mal que se apresenta como inevitável e que seria ainda pior que ela, como é ser reduzidos a escravos dos romanos.

Por Ramón Varela | Ferrol | 09/05/2016

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Faz uns dias os meios de comunicação deram a notícia de que um ganadeiro galego deixou morrer de fame as suas vacas e ante este facto respondeu: «Por desgraça, não vou ser o último», e alegou que não pôde alimentá-las pela grave situação econômica que está a passar. Agora está sendo investigado pela guarda civil e está pendente de acusação pela fiscalia. Outras quarenta vacas morreram e vinte e quatro foram sacrificadas em Chantada, quinze em Boiro,... Neste país, todo problema social se soluciona mediante a repressão, caindo no absurdo e no sem-sentido. Igual que os guerreiros galegos se imolaram ante uma situação limite, os ganadeiros deixam perecer as suas vacas, que são parte constitutiva deles mesmos, ante a situação de quebra econômica e fracasso pessoal, muitas vezes acompanhado de inclinações suicidas, como no caso que comentamos.

Creio que todo este modus operandi dos ganadeiros é produto duma desesperação extrema, por duas razões: porque lhe querem ás vacas e porque estas constituem o seu modo de vida, e vêm-se na tessitura de ver como lhe vão morrendo progressivamente uma trás outra sem ter possibilidade nenhuma de remediá-lo nem de desfazer-se delas. Quiçá não podamos imaginar o mal que tem que sentir-se uma pessoa nestas situações, e, como ele mesmo disse, esse é um drama que afeta a muitos mais.

As administrações aprestaram-se a declarar que estes são somente casos isolados, não querendo ver que são as políticas que padecem estes ganadeiros as que os levam á ruína, e virão muitos casos mais, mas também serão casos singulares. Dessa maneira pretendem acalmar a sua consciência e a da própria cidadania. Tão-pouco, segundo elas, os casos de mortes por hepatite C, são devidos ás políticas de austeridade praticadas. Neste país todos são efeitos raros ou sem causa. 

As mobilizações dos ganadeiros, pessoas nada propensas ás manifestações, sucederam-se ininterruptamente nos últimos tempos e puseram de manifesto ante os cidadãos a situação limite que estão a atravessar. Estão-lhe a pagar o litro de leite a 0,27 cêntimos, quando não muito menos ou inclusive que não têm assegurada a sua recolhida, e os custos de produção não baixam dos 0,30 cêntimos. Os contratos que assinam com as distribuidoras, midiatizados pelas administrações, terminaram sempre em papel molhado, e não serviram para dar um mínimo de estabilidade a um preço do leite rentável.

Ante as manifestações ganadeiras, parece que as administrações não tiveram outra preocupação que a de sufocá-las, servindo-se da desinformação e de promessas que não tinham interesse nenhum em cumprir. Quiseram demonstrar que são capazes de vencê-los e ignorar a sua protesta e tiveram êxito, mas um êxito pírrico, porque o problema fica latente, e está a provocar a desertização do nosso campo e o abandono das aldeias rurais a ritmo acelerado. Parafraseando a Rosalia, podemos dizer: este vai-se, e aquele vai-se e todos, todos se vão; o campo sem homes queda que o podam trabalhar, e todo isto ante a passividade total das administrações que consideram que o problema não vai com eles.

E entretanto todo isto sucede, os ex-presidentes dão-se bombo publicando os seus discursos parlamentares para intentar demonstrar-lhe a cidadania o bem que o fizeram e o avanço conseguido por Galiza mercê ao seu labor exitoso. Isto numa comunidade subsidiada, atrasada, dependente, sem possibilidade de criar uma economia auto-centrada que nos permita defender os nossos recursos e as nossas vantagens comparativas frente ao poderoso sistema oligárquico e centralista espanhol.                 
 
 

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