Plurinacionalidade do Estado espanhol

Na moção de censura defendida por Unidos Podemos um dos eixos fundamentais foi a plurinacionalidade do Estado espanhol, defendida valentemente por Iglesias. Dizemos valentemente porque sabe que isso o enfrenta ao trio espanholista C’s, PP e PSOE, por esta ordem, que baseiam a sua política na defesa da sagrada unidade da nação espanhola, única e indivisível que aproveitam para esporear em torno a esta ideia aos seus votantes afogueados já em torno a ela durante os quarenta anos do período franquista.

Por Ramón Varela | Ferrol | 19/06/2017

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A competência por liderar esta ideia ou não ficar marginados ante os votantes curtidos nela foi o que motivou que Pedro Sánchez lhe oferecesse o seu apoio a Rajoy, sem ser-lhe demandado, na sua teima de fazer volver ao rego os catalães e obrigá-los a que se façam bons rapazes e aceitem a «realidade» das cousas, o destino da história e da natureza. Defendem esta tese aduzindo uma afirmação profusamente difundida polos pensadores espanholistas de que Espanha é a nação mais antiga de Europa, supondo gratuitamente que a nação espanhola se fundou durante o reinado dos Reis Católicos, e, por tanto, no século XV. Isto é o que temos que tratar agora.
O dia 15/06/2017 a imprensa publicou que “O líder de Podemos atribui ao nacionalista galego (Xosé Manuel Beiras) a paternidade da aposta por um Estado plurinacional”, mas, sem restar-lhe nenhum mérito a este dirigente antes da sua caída do cavalo, esta afirmação é totalmente errônea, como se demonstra polo seguinte texto de Castelao do ano 1937 quando o Beiras tinha um ano: “Os federalistas entendíamos que, para devolver-lhe a Hespaña o seu ser autêntico, era preciso abrir os olhos à realidade e coordenar, dentro dum Estado plurinacional, os interesses materiais e morais dos diferentes povos. Desejávamos um Poder emanado do povo, querido do povo e a carão do povo. Para isto era indispensável truncar o fio da História; mas os Castelares da segunda República adoravam as abstrações mumificadas... Lembrai aquela frase de Lerroux, pronunciada na noite do 6 de outono do 1934: «¡Vamos a continuar la Historia de España!» Pois bem; esta frase patrioteira pode repetir-se...” (S.G., p. 60). Pode ver aqui o Sr. Iglesias que a frase vem de longe, igual que a luta dos povos peninsulares por lograr um status político distinto. Porque a demanda de constituir um estado plurinacional é muito velha e remonta-se, polo menos, ao ano 1923 em que se assinou o Pacto da Tripla Aliança entre os catalães, galegos e bascos que decidem constituir “uma aliança para a ação conjunta e a mútua ajuda na campanha pola liberdade nacional dos três povos... Reivindicam o direito dos três nações a dispor livremente dos próprios destinos e a viver segundo um regime de plena soberania política, afirmam a vontade dos galegos, dos catalães e dos bascos de conquistar com o próprio esforço e por todos os meios lícitos, a liberdade nacional” (Congresso Castelao, PP. 345 e 322). Numa entrevista que lhe fizeram faz uns dias ao líder de Podemos perguntaram-lhe se Espanha era um estado autoritário, e respondeu que com Rajoy si funciona como um estado autoritário, mas, se alguém nega que seja um estado autoritário, deveria responder à questão de se é ser flexível, democrático e respeitoso com as realidades nacionais um estado que oferece como única alternativa às legitimas demandas dos povos distintos do espanhol a propaganda, um sistema judicial controlado nas altas instâncias polo poder, a guerra suja contra os dirigentes doutras formações políticas, o medo e a repressão.
 
Pode também comprovar o Sr, Rivera porque à vezes o qualifico de novo Lerroux, porque em realidade vem oferecer-nos como saída a pior história de Espanha, a história da Espanha centralista, corrupta e fracassada. Pode-se observar que o Estado espanhol foi incapaz de articular satisfatoriamente o poder das suas nações e manteve-se cego e surdo às aspirações dos diversos povos que o conformam apesar da longa história de reclamações neste sentido por parte das comunidades diferenciadas que o integram. É eloquente manifestação desta incapacidade o que escrevia Ortega em 1932: “Eu sustenho que o problema catalão, como todos os parelhos a ele que existiram e existem noutras nações, é um problema que não se pode resolver, que só se pode conlevar, e ao dizer isto conste que significo com isso, não só que os demais espanhóis temos que conlevar-nos com os catalães, senão que os catalães também tem que conlevar-se com os demais espanhóis” (Obras Completas, t. 11, p. 458). Ou seja, que segundo este ínclito filósofo encantador de serpentes que é capaz de solucionar um problema afirmando que não se pode solucionar, não fica outro remédio que suportar-nos mutuamente. A melhor encarnação desta posição orteguiana é a política de resistência do PP: há que aguentar até que se cansem de reclamar e peçam papas, e isto permitirá espalhar aos quatro ventos que a democracia espanhola é forte e robusta, porque é capaz de submeter a qualquer povo que se lhe resista.
 
Antes de dilucidar quando surgiram as nações cumpre que analisemos que é uma nação. Quando lecionava aulas costumava perguntar-lhe aos alunos e à vezes também a algum professor que entendiam por nação e a resposta era invariavelmente que uma nação é uma comunidade com língua própria, cultura, território, etc., mas sempre lhe retrucava que uma nação não é isto, senão que isto é uma etnia, que os sociólogos definem como um povo que se vê distinto dos demais e é visto polos demais como distinto por razões culturais. Este foi também o erro no que incorreu o ilustre galeguista Ramón Chao Rego, que creu solucionar o problema da Galiza reduzindo-a a uma etnia. Sendo isto assim, na Idade Média a Galiza já seria uma nação, que foi um erro no que incorreu o grande Castelao.
 
Que é uma nação? Para evitar suspicácias de deriva nacionalista, tomarei uma definição dum autor nada suspeitoso de nacionalismo, o professor de Filosofia do Direito da Universidade de Oviedo, o cacerense José Delgado Pinto: “a comunidade humana estável que, em base a uma série de vínculos objetivos naturais e culturais, adquire consciência da sua singularidade a respeito doutras comunidades históricas similares e tende a desenvolver uma política autônoma” (G.E.R., t. 16, p. 537). Nesta definição aparecem quatro componentes fundamentais da nação: a) comunidade estável, e, portanto, um conglomerado de pessoas que assistem a uma partida de futebol ou a um concerto, independentemente da sua quantia, não é uma nação. Uma comunidade implica uma estrutura com ordem, hierarquia, roles dos seus membros, etc. b) Os vínculos referem-se ao facto diferencial; toda comunidade nacional tem que ter algum elemento que a diferencia das demais, este elemento pode ser cultural, como a língua, cultura, religião, morfologia social; ou natural, como a raça ou o território. Como mínimo uma comunidade tem que ter um elemento diferenciador, mas, como no caso galego, pode ter vários, como a língua, cultura, direito tradicional,... c) ter consciência de si como uma realidade diferenciada que é vista também polos demais como um povo distinto, e d) a determinação de reger o seu destino e, portanto, dispor ou lutar ou exercer o direito de autodeterminação ou de decisão. Em geral, o nacionalismo galego insistiu muito nos vínculos diferenciais e muito menos na consciência de si e na determinação de reger os seus destinos próprios. Isto deveu-se a que as elites espanholistas lograram controlar a mídia galega e impor a sua visão à sua maioria social e afogar a vontade nacionalitária, que nacionalismo galego não foi capaz de contra-arrestar O mesmo Castelao insiste muito nos elementos nacionalitários língua, cultura, raça, terra e morfologia social e econômica e somente dum modo marginal na vontade nacional, que é quiçá o elemento mais importante porque um povo, em definitiva, vai ser o que decida ser e o traduza nas urnas. De facto, a sua definição de nação tomada de Estaline não a recolhe em absoluto: “uma comunidade humana estável historicamente formada de idioma, território, de vida econômica e de hábitos psicológicos refletidos numa comunidade de cultura” (S.G., p. 39).
 
Quando surgiram as nações? Vários autores espanhóis, e não historiadores precisamente, lograram espalhar a falsa teoria, repetida a eito por pessoas pouco versadas nestes temas, que Espanha é a nação mais velha do continente europeu. Assim, Ortega e Gasset diz em Espanha invertebrada que “Teve Espanha a honra de ser a primeira nacionalidade que logra ser uma, que concentra no punho dum rei todas as suas energias e capacidades” (p. 144). Segundo Julián Marías o processo nacionalizador inicia-se na segunda metade do século XV nos países ocidentais de Europa e os primeiros países que se nacionalizam são Espanha, Portugal, França, Inglaterra; logo Holanda, Suécia, Prússia e Áustria; ás últimas, Alemanha e Itália. Mas frente a esta teoria cumpre dizer que a nação não pode surgir antes do nacionalistas, que são quem dão lugar à nação. O nascimento das nações se produz quando a intelligentsia dum Estado ou duma etnia consolida uma legitimação nacional do poder, utilizando como meio certos atributos comuns a uma ou várias etnias, resultando desta arte Estados mono ou pluriétnicos. Nestes últimos, se não se produz uma nacionalização exitosa do poder a escala estatal, como aconteceu no caso de Espanha, propiciará que a intelligentsia de alguma das etnias periféricas intente legitimar o poder em base a atributos da comunidade étnica própria, dando lugar á construção de novas nações e a novos Estados independentes ou a um Estado plurinacional, na que diversas nações pretenderão estabelecer uma difícil convivência em pé de igualdade: tal seria a origem dalguns dos Estados federais ou confederais. Segundo H. Kohn "O NACIONALISMO, tal como o entendemos nós, não é anterior aos últimos cinquenta anos do século XVIII. A Revolução Francesa foi a sua primeira grande manifestação, dando ao novo movimento uma força dinâmica crescente" (KOHN, HANS, Historia del nacionalismo, Fondo de Cultura económica, Madrid, 1984, p. 17. Ver também nota 1, cap. 1, p. 479). O texto anterior do historiador e filósofo checo foi redigido em 1944, mas em 1965 escreveu: “Só na Inglaterra do séculos XVII, e logo na França durante a Revolução de 1789, deixou o Estado de ser o Estado do rei; converteu-se no Estado do povo, em Estado nacional, em pátria.... A primeira manifestação plena do nacionalismo moderno teve lugar na Inglaterra do século XVII. Esse século viu por primeira vez a Inglaterra como nação líder da comunidade européia” (El nacionalismo, su significado e historia, Paidós, Buenos Aires, 1966, pp. 18 e 20).
 
Vários autores espanholista difundiram a ideia que os Reis Católicos fundaram, com o seu casamento, a unidade de Espanha, como já recolhe Castelao no seu tempo, “mas é mais certo que cada um deles regia separadamente os bens anexos à sua coroa, e depois de morta Isabel ainda volveu a casar-se Fernando em busca dum herdeiro que anulasse o compromisso do Tanto Monta, quer dizer, o dobre e forçoso reinado que recairia em Joana a Louca, e somente à esterilidade da segunda mulher de Fernando se deve a soldadura de Castela e Aragão. A prova de que não existia uma unidade hespañola está em que o cerramento da Reconquista cumpriu-se com a incorporação de Granada à coroa de Castela, ficando a coroa aragonesa desvinculada deste novo aporte. Somente Felipe II creu ter consumado a unificação política da Península ao sentar-se no trono português”(S.G., 313). A rainha Isabel estabeleceu no seu testamento que, ainda que a herdeira do trono era a sua filha Joana, o rei Fernando administraria e governaria Castela no seu nome polo menos até que o infante Carlos, primogênito de Joana, tiver cumprido vinte anos. Isto indica que os dous reinos não estavam soldados numa unidade a esta altura"..

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