Votantes anónimos

“Olá. Chamo-me Joám, tenho 28 anos e este domingo votei por vez primeira”. Assim poderia começar uma sessão de terapia de grupo entre os milhares de pessoas que vimos de participar, por vez primeira ou não, nas eleições de 21 de outubro, sabendo, no fundo, a farsa que representa o espetáculo eleitoral. Na sessão de “Votantes Anónimos” há todo tipo de histórias de vida que formam parte da particular “análise eleitoral” de cada quem.

Por Joam Evans Pim | Ferrol | 24/10/2012

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Boa parte das cadeiras no círculo são das que votaram em branco: 38.410 galegas e galegos, que representam 2,68% do voto, 10.000 mais do que há quatro anos. Protestam polas deficiências estruturais dum sistema que, por contar, nem os conta a eles próprios. Há lugares onde o voto em branco é computável e faz com que a sua representação prática sejam atas vazias que poupam milhares de euros em subsídios, salários e honorários. Isso é o que defende “Escanos em branco” que, com 17.116 votos e 1,19%, se tornou em 6ª “força política”, sem gastar praticamente um cêntimo na campanha.
 
Sorridentes e comendo um pão-cheio de chouriço estão as que desta vez votaram nulo: 37.472 pessoas, representando 2,55% do voto e que, comparado com o 0,89% de 2009, viram as suas fileiras engrossadas significativamente. É gente por regra muito simpática, brincalhões, que tem a bem introduzir objetos do mais curioso nos envelopes que, em teoria, deveriam conter apenas boletins de voto: fatias de chouriço, versos líricos, fichas de jogadores de futebol, fotografias profanadas dos principais candidatos são falcatruadas habituais que subvertem a monotonia dos recontos.
 
Hoje acheguei-me à sala do grupo de terapia depois de ter caído na tentação do voto. Votei polo Partido da Terra, junto com algo mais de 3.000 vizinhas e vizinhos do País. Não havia realmente escusa desta vez, pois para além de acabar de secretário geral do partido em questão até apareci no próprio boletim de voto (mais bem para o fim, por fortuna). Nunca na vida tinha votado e levava mais de dez anos sem militar numa organização política. Deu trabalho tirar da cabeça o mantra purista “votar legitima o sistema”, mesmo sendo certo. Como certo é que o sistema vai a caminho de acabar connosco antes do que nós com ele de não mudamos radicalmente o conceito de política e o papel que cada um deve ter na sua realização. A isso anda o PT desde que se fundou há pouco mais de um ano.
 
Confesso ao círculo de “Votantes Anónimos” que a campanha foi divertida mas não isenta de complicações. Continuamos sem ter conta bancária, quotas e, para o nosso imenso alívio, dívidas, tirando a responsabilidade com as outras pessoas que também votaram PT. Não nos custou praticamente nada no que a dinheiros diz respeito (entre todas as pessoas que colaboramos, não se deveu gastar mais de 100 euros) mas o trabalho intenso foi altamente estimulante, com todo tipo de reações e apoios ao vídeo de campanha gravado na horta da casa, aos “Terra Liberada” em A3 colados nas janelas do carro ou às “esquelas” colocadas por aldeias e bairros. Ganhou-se a simpatia de muitas pessoas, votaram ou não por nós, e colocou-se a desprofissionalização e a democracia direta no debate político, mesmo que for apenas nas suas periferias.
 
Na sessão de terapia sai o tema do “voto útil”, escárnio de quem vota distinto, mas há também em “Votantes Anónimos” pessoas que optaram polos grandes partidos e cujo voto foi desconsiderado por não estar no lugar certo ou que confessam abertamente confundir "quinielas" desportivas com eleições, votando sempre polo partido que acham que vai ganhar para assim sentir-se também um pouco “vencedores”. Aqui todos nos compreendemos e não há nem bons nem ruins. No fim das contas, nada distingue no essencial os partidos que entraram no Parlamento: todos terão os mesmos salários e honorários, todos cobrarão centos de milhares de euros em subsídios com os quais irão pagar, com juros, os empréstimos dos bancos que tanto criticam, todos receberão generosos fundos para nutrir a maquinaria de livre-designados dos seus grupos parlamentares e todos voltarão, daqui a quatro anos, a prometer mais “bem-estar”, mais consumo e mais indústria numa Terra que colapsa.
 
Para além do maniqueísmo e do dualismo “nós-eles”, cada vez mais há um emergente e barulhento “outros”, que hoje se senta no círculo de “Vontantes Anónimos” mas que amanhã poderá, talvez, ocupar as bancadas dos concelhos e parlamentos de papel para despossuí-los da soberania que nos roubaram, recuperando a nossa capacidade de decidir em democracia direta, e assumindo a nossa condição política plena, não fugazmente para encher de papel molhado as caixas de morto eleitorais, mas em todos e cada um dos dias das nossas vidas.

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