Escolher entre ter como chefe de Estado ao Filipe ou a Pablo Iglesias, Cayo Lara e Rosa Díez, de jeito rotatório, é como estar num teatro do esperpento. A cousa não melhora se as opções fossem Feijóo, Besteiro, Beiras e Vence. Para quê um chefe de Estado? A Suíça não tem Chefe de Estado a quem mandar às mariscadas globais e ninguém parece botá-lo em falta. O jogo mais parece pura distração para que continuemos a olhar para outro lado ou, no mais, uma mudança de elites visíveis (essas que dão a cara pola famosa "casta") liderando e legitimando uma segunda transição.
Para as que não queremos Espanha, nem monárquica, nem republicana, apenas dissolta, só se apresenta a possibilidade de uma república galega que imite à perfeição os moldes políticos e institucionais de qualquer Estado, isto é, a infantilização das pessoas com a negação da nossa condição de sujeitos políticos plenos. Quando se reivindica fervorosamente como Primeira República Galega a que fora proclamada momentaneamente em junho de 1931 a raiz da paralisação das obras do caminho de ferro que tanto faria for acelerar a nossa subjugação a Madrid (!!!) enquanto se ignora mais de um milénio de "republicanismo" popular comunitário, fica em evidência o auto-desconhecimento e a incapacidade de pensar para além dos moldes mentais do colonizador.
A Galiza é a Terra das 1.000 repúblicas (ou das quatro mil, para uma aproximação mais precisa). Num livro publicado em 1912, Garcia Ramos descreve uma dessas muitas repúblicas galegas, a de Taboadelo: "Abarcava com a sua jurisdição tudo quanto se referia à utilidade comunal, sem leis, sem ordenanças, sem regras escritas que constrangessem, limitassem nem minguassem a sua soberania; a conveniência da vizinhança inspirava o seu regime democrático, que se exteriorizava até na denominação dos membros que compunham a Junta; os repúblicos. Entidade de democracia pura, ora administradora, ora polícia, ora tribunal que tudo resolvia e decidia pacificamente em aras da solidariedade paroquial." A sua autoridade, que perdurou até a última reunião da sua Assembleia em 1905 era “omnímoda (…) na esfera das suas atribuições, definidas no território polos limites geográficos da paróquia e na matéria por tudo o que fosse de interesse comum; seus acordos e decisões tinham tanta força como se procedessem dos tribunais”.
O Couto Misto, representando como excecional “república esquecida” da raia barrosã, é na verdade regra dentro do contexto de autogoverno comunitário galaico, sendo apenas um caso juridicamente peculiar, dada a sua situação fronteiriça, da instituição dos Coutos que Ferro Couselo descrevia como entes que "fazia[m] um verdadeiro Estado do território compreendido entre os términos”, incluindo uma ou várias aldeias, frequentemente uma paróquia inteira. Mas a característica essencial das "repúblicas galegas" não é o do poder de coerção que carateriza os Estados no seu intuito por manter as hierarquias sociais, senão o seu autogoverno assemblear e economia comunitária, fundamentadas na propriedade em mão comum e na solidariedade vizinhal.
Porquê desprezamos a nossa autêntica tradição "republicana"? Por acaso, ela está na raiz do que etimologicamente é a "res pública", aquilo que a as pessoas duma comunidade temos em (mão) comum. Na Galiza república são as mais de 3.000 comunidades de montes vizinhais em mão comum que gerem a quarta parte do território da Galiza administrativa. É essa a tradição "republicada" que devemos reclamar como própria e reconstruir no caminho para uma Galiza livre e independente de qualquer Estado, for espanhol, galego ou europeu.