Ética da responsabilidade

No mundo ocidental hoje em dia seria surpreendente que alguém puser em questão que os ateus podam ter uma conduta ética igual de correta que os religiosos praticantes sejam cristãos, judeus ou muçulmanos, e incluso se observamos o que passa no nosso entorno parece que a conduta moral dos não praticantes parece competir exitosamente com os que se proclamam religiosos praticantes.

Por Ramón Varela | Ferrol | 13/03/2017

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Mas não sempre se considerou que os ateus, que em Europa oscilam arredor do trinta por cento, podiam levar uma vida exemplar. Dizia John Locke em 1689 na Primeira carta referente á tolerância que “não serão tolerados os que negam a existência de Deus. As promessas, pactos e juramentos, que são os vínculos da sociedade humana não podem sustentar-se sobre o ateísmo. A eliminação de Deus, incluso no pensamento, dissolve todo. Além de que aqueles que polo seu ateísmo minam e destruem toda religião, não podem pretender depois disso pôr em causa o privilégio duma tolerância. Polo que diz respeito a outras opiniões práticas, ainda que não estejam absolutamente livres de erro, se não tendem a estabelecer um domínio sobre outros, ou impunidade na Igreja na que foram instruídos, não existe razão para que não sejam toleradas”. (Awnsham Churchill, London, 1690, p. 60).

Pola sua parte, Voltaire perguntava-se “Que restrições podem ser impostas á cobiça, ás transgressões secretas cometidas com impunidade, distintas da ideia dum patrão divino cujo olho está sobre nós e que julgará incluso os nossos pensamentos mais privados” (MANUEL, F. E., The changing of the gods, University Press, Hanover, 1983, p. 66).

Historicamente, independentemente do que se diz nos textos fundacionais, o cristianismo converteu-se num instrumento de classe, neste caso da classe oligárquica, e, no Estado espanhol, também de espanholismo, como se pôs de relevo no pronunciamento da Conferência episcopal espanhola em prol da unidade de Espanha e em contra do direito dos povos a decidir o seu autogoverno e o seu futuro, justificando-o em base a que a unidade de Espanha é um bem moral prioritário. A isto último não haveria nada que objetar se precisassem que a citada unidade tem que estabelecer-se desde o acordo e o pacto e não desde a imposição. Com todo é sintomático que não alegaram nada quando o Tribunal Constitucional ilegalmente constituído e politicamente ancorado cara ao bipartito PP-PSOE invalidou o estatuto de autonomia de Catalunya depois de ter sido referendado polo povo catalão. Basta com escutar os programas dos seus mídia para dar-se conta destes extremos. O facto de atuar como instrumento de classe e de espanholismo provocou que fosse abandonado polos obreiros já desde o século XIX e polos membros mais ativos do nacionalismo periférico, especialmente da esquerda.

Tendo isto em conta, a pergunta que temos que fazer-nos é se as classes sociais, grupos e pessoas da esquerda, menos religiosos e que integram uma percentagem maior de ateus, têm um comportamento moral mais ou menos correto, justo e equitativo que as classes sociais, grupo e pessoas que se costuma ubicar á direita, mais praticantes e defensoras dos privilégios eclesiásticos. A melhor maneira de focar esta questão seria estabelecer várias variáveis de caráter ético que nos sirvam de referência para focar melhor o problema. As mais representativas seriam as referidas á paz, justiça, liberdade, igualdade, meio ambiente, humanismo, corrupção,..., numa palavra, as referidas aos direitos humanos e á honestidade na conduta. É mais pacífica a direita ou a esquerda? É mais pacífico o tandem PP-PSOE-C’s, ou Podemos, ERC, BNG? E qual deles é menos corrupto? O PSOE não pode, nestes momentos, ser considerado um partido de esquerdas porque pactua todos os assuntos importantes com a direita, do que é um exemplo bem eloquente a revisão do artigo 135 da CE e a renovação do TC. É mais pacífico Trump, Obama ou Sanders? Foi a direita ou a esquerda quem nos meteu na guerra do Iraque? Quem é o culpável do rearme atualmente em marcha? Defende uma sociedade mais justa a direita ou a esquerda? E uma sociedade mais igualitária? Defende melhor a liberdade a esquerda ou a direita? Pode-se considerar mais livre uma sociedade controlada por determinados oligopólios ou uma sociedade na que se respeite a pluralidade e que meios públicos supram as carências que a oferta de por si não corrige? Para concretizá-lo mais, é melhor o modelo de controlo dos mídia estabeleceu Zapatero, neste caso com uma política mais de esquerdas, ou a de Rajoy? Quem respeita melhor o meio ambiente e tem mais sensibilidade para legar ás novas gerações um mundo mais habitável?

Se em vez de referir-nos ao eido político, focamos o tema desde o ponto de vista religioso, perguntamos: Defende melhor as variáveis aludidas uma religião como o budismo ateu, o hinduísmo politeísta, confucionismo moral, taoísmo, ou as grandes religiões monoteístas do livro? Quem desencadeou mais perseguições no decurso da história? Quem tem um ideal mais integral de humanidade? Quem respeita melhor os direitos humanos?

Quando os aderentes a uma religião defendem que não é possível fundamentar qualquer ética se se prescinde de Deus têm que justificá-lo não só em princípios teóricos abstratos, senão respondendo aos interrogantes anteriores, pois somente assim pode merecer a credibilidade da gente.
 

Com todo, o propósito que nos move hoje não é tanto falar dos interrogantes anteriores senão principalmente da pegada da conceição que tem o cristianismo da responsabilidade pessoal e da maneira de inculcá-la nos seus seguidores.  Desde os seus inícios, na celebração da eucaristia os irmãos confessavam publicamente os seus pecados e não existia nada parecido á confissão individual ao confessor. Mas, a partir do século V, em concreto durante o papado de Leão I o Magno (440-461), este decretou que “se bem parece plenitude laudável de fé a que por temor de Deus, não teme a vergonha perante os homes; sem embargo, como não todos têm pecados tales que quem pedem penitência não temam publicá-los, há desterrar-se costume tão reprovável... Basta, com efeito aquela confissão que se oferece primeiro a Deus e logo ao sacerdote, que é quem ora polos pecados dos penitentes. Porque se não se publica nos ouvidos do povo a consciência de quem se confessa, então si que poderão ser movidos muitos mais a penitência” Carta 158, II, Denzinger, 145). Como vemos, um razoamento puramente consequencialista, ou seja, que o fim justifica os meios.

A confissão tal como se praticou na Igreja em vez de fomentar a responsabilidade contribuiu a debilitá-la. Diz Helen Ellerbe que os cristãos “desenharam uma organização não para estimular a espiritualidade, senão para gerir um grande número de pessoas. Simplificaram os critérios de membrecia. A Igreja católica decidiu que é cristão “qualquer que confessa o credo, aceite o batismo, participa na adoração, obedeça á hierarquia católica e creia a única e sozinha verdade, que é transmitida pola Igreja” (The dark side..., pp. 15-16). Considerar que o mero facto de confessar os pecados exime de toda culpa e deixa expedito o acesso ao céu para os maiores criminais não fomenta precisamente a responsabilidade senão que desincentiva os seres humanos que procuram ter um comportamento correto em todo momento. É bem eloquente do que dizemos a resposta dum sacerdote italiano que se dedicava a visitar prostíbulos e contratar serviços de prostitutas. “Ninguém se mete comigo porque aqui topas-te com gente casada e prometida. Se vêm a dizer-me algo, digo-lhes que os conheço e que lho vou dizer á sua mulher. Eu logo confesso-me”. Uma conduta chantagista e pouco respeitosa com os seus compromissos de celibato fica perdoada polo simples facto de comunicar-lho a outro sacerdote e com uma penitência que pode reduzir-se ao rezo de alguma oração ritual, e sem nenhum propósito efetivo emenda.

Um dos modos de inculcar a responsabilidade e a submissão á Igreja foi o terror sobre os cidadãos. Nós vivemos numa sociedade cristã que protagonizou o maior etnocídio inter-cristão da história e que ostenta a paternidade das matanças das cruzadas e da Inquisição, a autoria do Índice de Livros Proibidos, da proibição de ler a Bíblia, etc. Com o pretexto de salvar as almas forçaram-se conversões de povos inteiros, mas o objetivo da Inquisição não era tão elevado, se isto tem alguma elevação, senão que, como rezava o Directorium Inquisitoram, escrito por Nicolau Aymerich: “Devemos recordar que o principal objetivo do juízo e a pena de morte não é salvar a alma do acusado, senão promover o bem público e aterrorizar á gente” (GREEN, TOBY, La inquisición,  Ediciones B, Barcelona, 2008, p. 37). Isto quer dizer que se pode edificar o bem público sobre assassinato dos acusados por dissidência. O terror está profundamente está incrustado nos genes da religião judeu-cristã e, consequentemente da sua ética. A Bíblia exorta reiteradamente que cumpre temer a Deus. “Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é todo o dever do home” (Ecl. 12, 13). “Bem-aventurado todo aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos” (Sal. 128, 1). “Mas eu vos mostrarei a quem é que deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, digo, a esse temei” (Lc. 12, 5). Este parecer é compartido polos Santos Padres e foi usual na prática cristã. Como rezava no frontispício das portas do Seminário de Santiago: “Timor Dei, principium sapientiaie”, (o temor de Deus é o princípio da sabedoria). Os sermões que se pregavam aos fieis durante a Santa Missão pretendiam que a gente se atemorizasse e o confessionário também se utilizou com esta finalidade, além de para controlo da cidadania. Um dos temas preferidos para lograr atemorizar os fieis era a descrição do inferno como um castigo eterno sofrido polos condenados que são queimados em enxofre fervente e que obrigaria a Deus a mantê-los com vida milagrosamente para poder atormentá-los. A responsabilidade cristã, pois, em vez de ser resultado da persuasão e da convicção é produto do imposição e do terror, mas uma responsabilidade fruto do terror não é propriamente responsabilidade, porque esta implica que a ação seja consciente, livre e voluntária. Isto não significa que um crente não poda obrar responsavelmente, que seria um absurdo, mas si que os atos que estão condicionados polo medo ou o terror são tanto menos responsáveis quanto maior seja a míngua da liberdade do crente e/ou religioso produzida polo terror sobre a mente humana.

Uma das maneiras de semear o terror entre a população por parte da inquisição foi o secretismo, que impedia o acusado conhecer o nome do acusador com a finalidade de fomentar as delações entre os cidadãos, de maneira que ninguém podia sentir-se seguro, salvo os acusadores. Foi um recurso mui utilizado para eliminar aos que tinham rixas com os seus vizinhos. A Inquisição papal teve no Estado espanhol uma duração de 350 anos e deixou uma profunda pegada na conduta das pessoas que tardará em desaparecer totalmente. Quiçá por influxo da Inquisição se pode explicar alguns do episódios políticos que se vivem na atualidade, como, por exemplo, o amparo prestado pola Associação da Imprensa de Madrid a uns quantos jornalistas dos que os que concedem o amparo se negam a facilitar os nomes e os cargos exatos contra a formação política Podemos, pretextando que os nomes e os cargos lhes pertencem aos denunciantes, e concedeu o citado amparo sem dar audiência ao acusado para que alegue o que creia oportuno, o qual invalida totalmente o valor moral desta acusação. É a maneira perfeita de fomentar as acusações sem fundamento contra aquele ao que se quer afundir politicamente. Conseguem gratuitamente e com total impunidade o objetivo de desprestigiar o adversário político, que é uma tática mui utilizada nos nossos dias polos que ostentam o poder. Dado que a citada associação foi totalmente negligente em amparar as numerosíssimos jornalistas que sofrem acosso e pressões no seu trabalho e não precisamente por parte de Podemos, a sensação que transmitem é que o problema do jornalismo em Espanha é a formação morada, o qual constitui uma imagem burdamente destorcedora da realidade.

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