O poder e os direitos humanos

O poder é a capacidade de mando, de domínio sobre os demais, a capacidade de fazer ou ser algo. Não se confunde com a autoridade, que é a capacidade de persuasão ou influência sobre os demais. Um pode ter muito poder e pouca autoridade, como o regime do general Franco, ou muita autoridade e pouco poder, como no caso de Castelao. O poder pode ser político, social, religioso...

Por Ramón Varela | Ferrol | 24/01/2018

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O poder político não se pode exercer dum modo duradoiro se não se conta com a cumplicidade de uma parte importante da população, e de ai a conivência histórica do poder político com o poder religioso para constituir os dous braços do poder: a Igreja e o Estado ou a espada e a cruz, dos quais o primeiro fornece a capacidade de coação e o segundo a ideologia social tendente à persuasão, uniformização e assentimento dos cidadãos. A partir de Constantino I, o Grande, ambos poderes atuaram ao uníssono em benefício próprio, colaboração mútua na que o poder religioso obtém os recursos necessários para a sua auto-conservação e reprodução e o poder político cidadãos submissos e disciplinados que acatem as suas decisões. Sem o apoio estatal a religião é incapaz de manter a sua custosa infra-estrutura e, portanto, de sobreviver na sua conformação atual. Esta mutua colaboração de ambos poderes na repressão social em aras de manter o controlo e a adesão popular alcançou os seus momentos álgidos com a guerra de reconquista espanhola, as cruzadas, a inquisição e o chamado descobrimento de América.
 
Os direitos humanos foram fruto da sensibilização popular e abriram-se caminho em contra do tandem político-religioso imperante. O ataque clerical contra os direitos humanos no século XIX, especialmente por obra do papa integrista e fanático Pio IX, constitui uma pesada lousa contra qualquer plano de regeneração que o cristianismo dos nossos dias pretenda pôr em prática. Todo projeto de regeneração e de câmbio precisa a credibilidade dos seus protagonistas, incompatível com uma história carregada de repressão e de ódio contra cultura, a razão, a ciência, a liberdade, a felicidade, etc. .
 
Os direitos humanos podem ser individuais e comunitários, que são indissociáveis entre si, porque não se podem ter direitos individuais efetivos quando um é membro dum povo ao que se lhe negam os seus direitos socioeconômicos e políticos. Espanha está integrada numa Europa que funciona antidemocraticamente, porque as grandes decisões são tomadas por hierarcas que não são elegidos polo povo, ou os que são elegidos polo povo só representam os cidadãos que os votaram e não o conjunto de europeus. Os espanhóis podem votar uma política econômica determinada, mas se não coincide com os desígnios de Merkel fica totalmente inoperante e inviável. A UE é uma superestrutura conformada por diversos estados regida por políticas de caráter liberal, e os estados movem-se polo seu próprio interesse e polo princípio de estabilidade, em contra dos interesses tanto individuais como comunitários. Isto explica o incremento das desigualdades sociais, os minijobs e a oposição a qualquer intento de autodeterminação dos povos. O que passou no caso catalão é muito revelador. Jean Claude Junker, presidente da Comissão europeia, declarou: “Não quero uma União Europeia que dentro de 15 anos esteja formada por 90 países, seria impossível”, Neste caso, qualifica-se como impossível o que é unicamente uma falta de imaginação para reger o diverso e plural, e, portanto, os países singulares, como é Catalunya, têm que renunciar aos seus direitos em aras duma mais fácil governança da Europa. Afirma este político que Catalunya deve respeitar as decisões do Tribunal Constitucional, mas tem pouca credibilidade quando dá lições aos demais e ele não as cumpriu quando era primeiro ministro de Luxemburgo, pois chegou a acordos com as grandes empresas para pagar impostos inferiores ao 1 por cento nos outros países da UE. Para doutrinar aos demais cumpre ter autoridade e uma mínima coerência.
 
O Pacto Internacional de direitos civis e políticos da ONU de 1966, assim como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais, Civis e Políticos, também da ONU desse mesmo ano, determinam no seu artigo 1: “Todos os povos têm o direito de livre determinação. Em virtude deste direito estabelecem livremente a sua condição política e provêm também esmo ao seu desenvolvimento econômico, social e cultural”. Não se pode argumentar contra este direito pretextando que se refere a contextos de colonização, porque no texto não há tal restrição e porque não se pode limitar a universalidade dum direito às circunstâncias históricas concretas que deram lugar à sua adoção.
 
Frente a este direito legítimo de qualquer povo que mereça tal nome, aos governantes espanhóis não se lhe ocorre nada melhor que orquestrar uma campanha contra a livre autodeterminação em Catalunya, contando com o apoio neste objetivos dos grandes meios de comunicação do Estado espanhol e dos seus tertulianos e intelectuais orgânicos, e a favor do direito de Espanha a manter submetido e dominado um povo polo uso da força bruta do poder. Orquestraram toda uma campanha de râncio nacionalismo espanhol para contra-arrestar o poder de convocatória do nacionalismo catalão, convocando manifestações em prol da unidade de Espanha na mesma Barcelona, com o objetivo de que os catalães adiram ao nacionalismo espanhol. Isto criou um caldo de cultivo que semeou a fobia contra os catalães no resto do Estado, como se pôs de manifesto na queima em efígie do próprio Puigdemont na Andaluzia, com a passividade total do governo de Espanha e dos corpos e forças de segurança do Estado. No Estado espanhol é muito mais grave queimar um trapo, como é uma bandeira de Espanha, que uma foto duma pessoa concreta, como o político catalão, que incluso se pode ver com simpatia por parte dos espanholistas. Esse caldo de cultivo anti-catalã se pôs de manifesto em expressões como a famosa: “A por eles!”, que se traduziu numa repressão implacável contra pessoas indefensas, desarmados e totalmente pacíficas o 1O.  
 
Os políticos que criaram o problema catalão, fazendo campanhas contra o seu Estatuto para ganhar votos no resto do Estado e recorrendo perante um tribunal amigo um texto já referendado polo povo catalão, não foram capazes de oferecer solução de nenhuma classe e a sua atitude consiste unicamente na repressão e na esperança de que terminem cansando e se avenham a admitir o poder político dum estado que eles sentem como alheio e opressor, ou seja, um matrimônio forçado com o próprio mal-tratador. Ao mesmo tempo organizam campanhas para criar insegurança econômica promulgando decretos express para que as empresas possam abandonar Catalunya, atribuindo os efeitos perversos desta campanha à pretensão pacífica dos nacionalistas catalães a que a cidadania seja consultada sobre o tipo de relação que quer manter com a Espanha.
 
Dos outros partidos do 155, C’s, mais papista que o papa, lidera as propostas de repressão também sem iniciativa nenhuma, resumindo-se todo o seu programa a afogar os direitos dos povos a autogovernar-se e a decidir pacificamente o seu futuro; o que denominam a sua “nova política” reduz-se a seguir o conselho do centralista catalão Lerroux, “vamos seguir a história de Espanha”, e portanto, os anseios dos 15 M devem ser afogados e apresentar como novo a política caduca, reacionária, super-centralista e corrupta do Estado espanhol. O PSOE propõe como solução uma hipotética e futurível reforma constitucional, que poderia expressar-se muito expressivamente com a frase de Horácio: “Os montes parirão, nascerá um rato ridículo”, pois este parto dos montes não significa outra cousa que um novo autonomismo, segundo palavras de Pedro Sánchez, ou seja, que a solução para um país consiste em oferecer-lhe algo que este país não quer nem pede e denegar-lhe o seu legítimo direito a consultar a cidadania sobre a relação que quer manter com a Espanha. Um partido político que historicamente defendeu o direito de autodeterminação, agora cifra toda a sua política em fazê-lo inviável mediante a pura repressão, ao tempo que limita as suas possibilidades futuras de chegar à Moncloa, pois pretende governar da mão de C’s, que sempre preferirá o PP em vez do PSOE para efetivar a sua política de direitas, encomendando à propaganda o descrédito de Podemos por não aceitar os pactos de direitas que está disposto a formalizar com a formação laranja. A sua obsessão é arrincoar na esquerda a Podemos e obrigá-lo a desempenhar o rol que veu desempenhando IU, ou seja, como companheiro para certas viagens de curto percorrido, pactuando todas as políticas de alcanço com a direita com a finalidade de que os câmbios se reduzam a serem meramente cosméticos. No fundo o que pretende é materializar a via andaluza da sua companheira de partido, Susana, apesar de que chegou à direção do PSOE com a promessa duma política de renovação e de câmbio real.     
 
Segundo Ortega, a nação é um projeto estimulante de vida em comum, mas que projeto estimulante é conviver à força no seio dum Estado que lhe nega a um povo os seus próprios direitos como povo e o limita a conviver à força com quem não quer e que não faz o mais mínimo esforço por atraí-lo para procurar a convivência harmônica de todos os povos num mesmo Estado? Esta carência de projeto comum indica claramente que os povos que convivem no Estado espanhol não constituem uma nação, e da sua auto-realização como nações depende a sua supervivência como realidades diferenciadas, vivas e operantes no mundo atual.

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