A dura estória dum voto útil

Agora que se achega o dia das eleições ao Parlamento da Galiza, vão-se incrementando proporcionalmente os apelos ao voto útil dos eleitores por parte de todos os partidos: uns para procurar agrupar o voto neles, outros para fazer crer que eles são a chave da alternância e que é por isso é que são os que devem receber a confiança popular.

Por Joam Evans Pim | A Coruña | 18/10/2012

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Era bom portanto, repassar e repensar qual é a estória, percurso e alcance do que habitualmente se dá em chamar 'voto útil'. Vejamos:
 
Já de início, o nosso amigo voto, na consideração de ser ele uma simples questão aritmética e não a expressão duma vontade política manifestada através do seu exercício, deverá conseguir superar a primeira prova para não cair no saco dos “votos inúteis” – quer dizer, aqueles que são denominados assim por não gerar nenhuma representação parlamentar para o partido votado – superando os diversos requisitos, cortes e armadilhas do sistema para inutilizar uma grande quantidade dos votos: circunscrições eleitorais provinciais, supressão amiúde por motivos bem curiosos da validez do boletim de voto emitido polas mesas ou juntas eleitorais (há um partido que ainda está aguardando resposta ao recurso de invalidação), percentagens mínimas necessárias para obter representação, etc.
 
A seguir, a segunda prova que nosso amigo voto útil deve superar será o sistema d'Hont, em que os escanos vão sendo repartidos não proporcionalmente, mas em função das sucessivas frações meias sobre o número de votos emitidos em prol de cada candidatura e que vão sendo comparadas e colocadas em ordem decrescente para a adjudicação dos escanos. Isso faz com que sempre fiquem frações restantes de votos que não consigam representação para o partido votado, polo que, nesse sentido, todos os votos sejam de início potencialmente “inúteis”, incluíndo os que vão para os grandes partidos, dado que ainda no mais que improvável caso em que fosse adjudicado um escano por um só voto, este deixaria a fração restante do partido contrário sem representação, convertindo-a imediatamente num voto igualmente “inútil”.
 
Em terceiro lugar, se o nosso votinho conseguiu superar as duas e difíceis fases prévias, deverá ter tido a imensa fortuna de ir recair no partido que obtenha a maioria absoluta ou num conjunto de partidos com possibilidades – e vontade e capacidade – de constituir uma maioria alternativa. Caso contrário, e para a sua desgraça e apesar de tudo, irá engrossar as filas dos “votos inúteis” junto com os seus irmãos 'caídos' anteriormente. Quer dizer, existe ainda a perceção de que os votos só serão úteis se ajudam a conformar a maioria de governo.
 
Por último, e dando por superados todos os passos anteriores e deixando à margem os possíveis casos de transfuguismo, roubo de atas, etc., o nosso voto deve superar ainda a prova mais difícil: que o partido ou a pessoa que recebeu esse voto como representante da pessoa que o emitiu, coincida ou acerte em votar – não se sabe como – o mesmo que teria votado o depositante primeiro do voto. Há quem se conforma com que se cumpram as promessas dos “programas”, esses documentos tão frequentemente ignorados por quem vota e por quem é votado.
 
Mas, não dêem ainda a história por acabada: mesmo tendo feito tudo isso, o nosso votinho não descansará tranquilo nem terá demonstrado ainda a sua utilidade. Esperem a que qualquer instância orgânica, judicial, etc … superior do Estado, ou as estruturas estatais ou supra-estatais ou, ainda pior, os mercados financieiros e os poderes económicos tenham a bem respeitar o que o tão trazido e levado voto útil através de diversas mãos, instâncias e instituições tenha vindo a decidir... E logo, a vontade cidadã onde ficou? Chi lo sà.
 
Pois bem, por tudo isto, por esta estrutura e conceição reducionista e redutora, contabilista e mecanicista do processo eleitoral e dos mecanismos de decisão posteriores que anulam na prática qualquer ligação real e direta entre o votante e aqueles que tomam as decisões por ele, deviam fazer-nos levar para o replanteamento do processo no seu conjunto, desde que visa apenas a uniformização e padronização numas respostas únicas e univocas do que, com certeza e visto em perspetiva e detalhe, deviam ser a expressão política diversa e com matizes de cada um dos votantes através duma democracia real ou direta, que pode ser implementada, melhor ou pior, tal como já foi feito noutros lugares.
 
E por isso, se não aceitamos essa alienação, uniformização e simplificação extrema noutros âmbitos da vida como nos hábitos, os costumes, a comida ou o vestir, como é que a aceitamos mansamente para a esfera política na que, em princípio, todos estamos implicados ou concernidos?
 
Logo, a pregunta é clara e direta: voto útil, para quem?

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