Podemos?... Ou Pode o Estado?

A República de Sudáfrica com o governo e liderado de Nelson Mandela realizou uma transição exemplar desde o inaceitável sistema de apartheid e segregação a um sistema político no que a verdade e o perdão deram lugar a uma nação unida. Na Sudáfrica post-apartheid negros e brancos torceram com um mesmo coração e uma mesma alma pola sua equipa de rúgbi até se coroarem como campeões do mundo.

Por Xosé Morell | Vigo | 06/11/2014

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O filme Invictus (se vocês perderam a estréia, não devem deixar de ver agora) foca sobre o facto esportivo a epopéia que foi o passo de um País da segregação e a indignidade à democracia e à unidade.
 
Se alguém tem a brilhante ideia de estabelecer uma comparação entre a transição espanhola de 1975 e a de Sudáfrica, e mesmo a vitória da "Roja" naquele país, deve antes lembrar quais são os aspectos que nos separam do país africano: em primeiro lugar na Espanha faltou a verdade, algo muito necessário para o perdão e a reconciliação; a seguir, Espanha não é uma nação que reconheça a diversidade: não racial, mas no nosso caso nacional. O dicionário da RAE acaba de levantar ata sobre isto, eliminando a acepção constitucional de "nacionalidades", pincha-carneiro semântico que -diz Carlos Mella- foi criado em 1978 para explicar a realidade dumas nações no seio doutra.
 
Onde si que há um triste paralelismo entre Espanha e Sudáfrica é no frustrante dado de que a dia de hoje, na República sudafricana há mais desigualdades sociais que na época da indignidade. Por quê a instauração do perdão, a justiça e a democracia não valeu para melhorar o bem-estar? O genial Morgan Freeman, no papel de Nelson Mandela em Invictus, dá a clave quando diz "temos que fazer que os brancos se sintam parte desta nação, pois eles têm as empresas". Com efeito, é nessas empresas onde trabalham os negros, e portanto devem estar vivas ainda que for com respiração assistida, pois se a fim da escravidão é a fim do trabalho assalariado, acabou-se para sempre o projeto de nova nação: esta tinha o seu destino atado ao do Estado, e atado portanto às suas regras de concentração de capital e poder. A consequência inevitável de construir -ou reconstruir- uma nação desde um Estado capitalista é a desigualdade crescente.
Um Estado, um macro-estado como a UE, ou um míni-estado como a comunidade autónoma da Galiza, para ser competitivo, constrói a sua economia e inclusive o sistema monetário sob a premissa dum mercado interno onde se realiza a acumulação de capital e poder. Por isso uma empresa de 250 trabalhadores que encerra é notícia e objecto de atenção de sindicatos e políticos profissionais. Mas 500 trabalhadores autônomos e 1100 PME cessam cada dia a sua atividade económica afogados por impostos e pola competência desleal de grandes empresas, paradoxalmente favorecidas e resgatadas por esses impostos. E isso não é notícia.
 
Nenhuma das alternativas políticas que há hoje no mercado político, movimentos nem marés, está disposta a renunciar ao poder concentrado polo Estado, nem tem intenção alguma de lho devolver às pessoas. Uma cousa é eleger candidatos em primárias, assembleias abertas ou encostadas. Outra é dizer-lhe à gente a verdade: "Nenhum partido, estado ou sistema vos salvará, nem vos dará uma economia que crie trabalho digno. Tereis que fazê-la vós". Isto supõe assumir de verdade a liberdade, com os riscos que comporta. Assumir a verdade sobre a finitude da natureza. E essa verdade liberadora traz de passagem consigo notícias não sempre boas para o trem de consumo insustentável no que estamos.
 
No caso da Galiza, ainda há muita esperança e muitos caminhos para voltarmos à casa após a tola aventura em que fomos embarcados e que nos levou a esta profunda crise económica e institucional na que estamos. Não se trata de voltarmos ao passado, mas de saber onde é que está de verdade o futuro: não no favor e resgate de grandes bancos e empresas, mas no resgate da nossa soberania enquanto pessoas e comunidades sustentáveis. Os bens e serviços, o bem-estar, não podem depender dum Estado providente. Os intercâmbios não podem ser fruto da necessidade ou carências próprias, e menos ainda dumas necessidades criadas por poderosas maquinarias de consumo. Os intercâmbios de bens e serviços podem ser resultado do intercâmbio de conhecimento e do desenvolvimento sustentável de todas as partes. As uniões políticas e econômicas devem ser por federação e cooperação, não por absorção e fusão.
 
Tenho visto caras de pânico em poderosos empresários perante a ascensão de Podemos: "Teremos que fazer fileiras nos supermercados como em Venezuela". Não acredito que eles deixem de ter acesso a produtos de consumo quando quiserem. Sim espero e desejo que as poderosas cadeias de alimentação deixem de ter o monopólio da distribuição. Que voltem os mercados de verdade e os produtos alimentícios de verdade. Mas isso não está na mente de Podemos nem  na da atual oferta política, incapaz de prescindir da ditadura do Estado. Haverá que continuar procurando. Nos grandes homens e mulheres que nos precederam podemos encontrar inspiração, se podemos diferenciar entre o verdadeiro e o que pousou neles o sistema canonizador. Este ano 2015 será o centenário do nascimento de Xaime Isla Couto, que nos deixou faz dous anos. Na ocasião da lembrança acharemos um possível caminho a considerar para essa necessária e inadiável volta à casa.

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Xosé Morell Nado em Vigo. Licenciado em Filologia galego-portuguesa e Hispânica. Master en Direção Comercial e Marketing pola EN Caixanova e en Direção Financeira e Contábil pola Universidade Autónoma de Barcelona. Atualmente em negócios de exportação. Padroeiro da Fundação Isla Couto. Foi Porta-voz no Parlamento da Galiza da ILP Valentim Paz Andrade para os vínculos da Galiza com a lusofonia aprovada e feita lei por unanimidade em 2013.