Organizemos o pos-totalitarismo ideológico

Segundo a RAE, “o totalitarismo é um regime político que exerce forte intervenção em todas as ordens da vida nacional, concentrando a totalidade dos poderes estatais nas mãos dum grupo ou partido que não permite a atuação doutros partidos”.

Por Ramón Varela | A Coruña | 09/12/2015

Comparte esta noticia
 A palavra totalitarismo vem de total, e é total em dous sentidos: enquanto que concentra todos os poderes e enquanto que pretende controlar todas as ordens da vida do país. Neste sentido, o regime franquista não foi propriamente totalitário, ainda que si esteve próximo, senão mais bem ditatorial e sanguinário. Este regime controlava toda a atividade política, mas permitiu que a Igreja mantivesse a sua ideologia própria, com caráter de dominante e, conjuntamente com a estatal, revestisse carateres totalitários. O regime definia-se como uma "monarquia tradicional, católica, social e representativa", optava pola confissionalidade do Estado espanhol e declarava que a religião Católica, Apostólica e Romana, única verdadeira, é inseparável da consciência nacional e inspirará a sua legislação. Em matérias ideológicas, como a filosofia, a ideologia estava controlada por religiosos, e os que fizemos oposições tínhamos que ter muito cuidado em não amostrar dissidências porque se não, não passavas; a guerra contra a matéria de cidadania, põe de manifesto até que ponto a Igreja se considera com direito a regular todo o referente á ideologia; os festivos eram os religiosos, e ainda seguem sendo, e as atividades sociais estavam condicionadas por elas, como na Semana Santa; as festividades profanas foram cristianizadas pola igreja; a moralidade pública regulava-se de acordo com a ideologia eclesial, e as celebrações rituais para celebrar as etapas importantes da vida dos seres humanos eram, e ainda são, monopolizadas pola Igreja, que também intervinha expedindo certificados de boa conduta para poder trabalhar, o qual condicionava a liberdade e atitude das pessoas; os sacerdotes requisitavam aos fregueses nos seus domicílios aquelas traduções bíblicas doutras facções cristãs; amostrar deviações nas paróquias podia dar lugar a fortes represálias por parte do pároco, e podemos dizer que uma dogmática tão irracional como a cristã, somente se pôde conservar mediante a ignorância e uma forte repressão; ... Não se trata aqui de pedir contas a ninguém senão de analisar o que passou e passa e ver como se pode regular o futuro. 
 
As sociedades de hoje são sociedades plurais, muito afastadas do monolitismo ideológico que prevaleceu até agora. A religião deixou de impregnar e dar-lhe sentido á vida duma grande percentagem da população. Segundo dados do CIS, em 2015 o setenta por cento da população considera-se católica, com tendência a diminuir; um vinte seis por cento declara-se ateu ou não crente, com tendência a aumentar; e um dous por cento a outras religiões. Mas, a percentagem dos que quase nunca a praticam, eleva-se ao sessenta por cento, e com tendência a aumentar. Ou seja, que há muitas pessoas que somente acodem á Igreja para celebrar efemérides importantes na vida dos indivíduos: nascimento, boda, funerais, ... Por outra parte, temos que ter presente que as celebrações religiosas são um ato social que não tem porque implicar conformidade com o que se manifesta no rito, senão que se faz porque é o habitual, para estar com outros, ...Se comparamos os dados por comunidades autônomas, constatamos que as mais desenvolvidas, como País Vasco, Catalunya e Madrid, são as que têm uma percentagem maior de ateus, não crentes e não praticantes, e uma menor de católicos. Aliás, os que vivem nas cidades são muito menos praticantes que os que vivem nas vilas e zonas rurais. 
 
Se confrontarmos estes dados com o que sucede na França, observamos que em 2012, segundo a associação de sondagens WIN/Gallup Internacional, somente um 37 por cento dos franceses se declara religioso, frente a um 34 por cento de não crente e a um 29 por cento de ateus. Os que assistem á missa somente representam o 4,5 por cento. Todo indica que a irreligiosidade tende a aumentar e os católicos a diminuir. Como podemos comprovar, a laica França está a uma distância considerável de Espanha, o qual se explica pola maior dependência da sociedade espanhola a respeito da Igreja e polo nacional-catolicismo espanhol imposto pola complicidade franquismo-catolicismo, com o seu totalitarismo ideológico, que gravou nas mentes das pessoas uma explicação da realidade mítico-infantil e terrorífica, com o invento platônico do terror ao Tártaro fervente, antecedente do inferno cristão. Mas, se a evolução é normal de cara ao futuro, a situação espanhola não tardará em confluir com a da França.     
 
Temos, por tanto, novos fatos, novos fenômenos sociais, novas realidades e novas necessidades, que reclamam sempre também novas denominações. Hoje, um católico pode nascer, viver, e morrer em católico, porque na sociedades existem as associações pertinentes com os seus ritualismos que o fazem possível, enquanto que as pessoas doutras religiões, não crentes ou ateias, não podem fazê-lo. Mas as igrejas não são a sociedade, senão somente uma parte dela, e é a própria sociedade a que deve implicar-se nas celebrações sociais. Devemos superar o liberalismo que considera o indivíduo como um átomo social e o fundamento da sociedade, que se reduz a um conjunto de indivíduos, e recuperar o sentido comunitário. Nos dias de hoje, se uma família tem um filho, a comunidade não dispõe de nenhum rito para celebrar esta efeméride tão importante a nível comunitário, pois todo neonato ou bebê é um bem comunitário e não só familiar, e a comunidade deve acolher e dar-lhe a bem-vinda ao novo ser, dando-lhe sentido comunitário e solidário. Este rito deve ser independente e mais fundamental que qualquer outro de caráter religioso que a família quiser celebrar. Um primeiro é cidadão e depois cidadão católico. Quando o menino começa a etapa da pré-adolescência e de socialização integral, que é quando se realiza a primeira comunhão, que tanta ilusão lhe produz aos pequenos, creio que deveria haver outro rito comunitário, porque é um momento relevante para as crianças. O câmbio de estado é outro momento importante, mas este já está em vias de solução com a boda civil, ainda que quiçá seja conveniente determinar doutra maneira quem a vai celebrar. Outro momento importante é o da morte, que é o momento em que a família e a comunidade perde um dos seus membros, e também aqui a comunidade deveria implicar-se.
 
A respeito do nascimento, já surgiram alguns intentos de pôr em marcha a cerimônia da sua comemoração que se começou a denominar como batismo laico. Saudamos estas iniciativas, mas creio que a denominação não é a mais indicada. O batismo é anterior ao cristianismo, pois já existia no povo hebreu, na religião hindu e na egípcia, mas em todas elas representa um lavatório, um ritual de purificação ou uma remissão dos pecados do neonato, que é totalmente desacertado para um menino recém nascido ou para a sua mãe, pois só por razões supersticiosas se pode considerar que necessitem purificar-se. Quem necessita purificar-se são os que estabeleceram estes ritos. Por outra parte, quando dizemos «batismo cívico», utilizamos um qualificativo, e, por tanto, subordinaríamos esta prática ao batismo por antonomásia, que é o religioso. Por outra parte, o batismo significa uma integração numa religião, numa associação, enquanto que a prática que propomos é a duma integração comunitária, á margem, anterior e mais fundamental que qualquer associação concreta. Isto induziu-nos a propor uma nova denominação, desligada de conotações religiosas, polo menos nos nossos dias, que seria a de NATALÍCIO, o dia em que nasce um menino para a família e a comunidade, implicando-se as duas na sua acolhida.  
 
A celebração correspondente á primeira comunhão poderia denominar-se puerícia, que é um período intermédio entre a infância e a adolescência, e os restantes, tanto o matrimônio como a óbito já não precisam novas denominações. A respeito dos oficiantes, considero que encomendar-lhe esta função a concelheiros não é o mais acertado, porque qualquer concelheiro é membro de partido, com as suas fobias e filias, e, por tanto, seria desejável mais aséptica se encarrega-se de acontecimentos que ultrapassam os partidos e que são comunitárias. Poderia eleger-se uma pessoa independente de qualquer afiliação partidária, quiçá no mesmo momento das eleições locais, á que se lhe encomendaria esta função, e que poderia levar o nome de “Mestre/mestra de celebrações comunitárias”. 
 
Referente aos edifícios, creio que é a hora de que o patrimônio dedicado ao culto, construído e mantido polo poder político, ou seja, pola cidadania, deve ter um uso compartido dum modo civilizado entre os sectores que precisam realizar qualquer celebração comunitária. Também aqueles que foram construídos polos fieis antepassados nossos, entre eles os meus, pois é de presumir que quereriam que os seus descendentes, chegado o caso, também pudessem utilizar estes locais para o uso que pudessem necessitar, se bem, em correspondência, devemos contribuir ao seu mantimento, conservação e restauração. Evidentemente, considero que em todos os tanatórios os usos dos locais, que agora se destinam ao culto religioso, devem poder ser compartilhados. 
 

Comparte esta noticia
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA
¿Gústache esta noticia?
Colabora para que sexan moitas máis activando GCplus
Que é GC plus? Achegas    icona Paypal icona VISA