Hipercriticismo e hipotolerância ante a crítica (III)

Perseguição dos judeus durante a I cruzada.

Por Ramón Varela | Ferrol | 13/12/2017

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Como vimos na entrega anterior, o cristianismo lançou, durante os primeiros séculos, os mais grossos qualificativos contra os judeus, justificados no facto de terem dado morte a Jesus Cristo, definido polo concílio de Niceia do ano 325 como consubstancial com o Pai eterno, o qual equivaleria, de ser ajustada esta proclamação, de terem dado morte ao mesmo Deus. Ao mesmo tempo, considerou-se como o novo povo elegido e preferido por Deus, e o guarda e garante de que se realize a sua vontade. Isto o legitimeia a perseguir a quem não aceitasse submeter-se aos desígnios que Deus lhe confiou aos seus vice-gerentes na terra. A auto-proclamação como povo elegido e a qualificação do carpinteiro Jesus de Nazaré como Deus vão ser os eixos de legitimação das maiores perseguições contra os judeus. Quando uma instituição tem uma história como o cristianismo não está legitimada para protestar e denunciar que se ferem os seus sentimentos religiosos, porque os demais também os têm e ela nunca os respeitou nem os respeita na atualidade, como vemos nestes textos e nos seus pronunciamentos contra os homossexuais. As confissões religiosas declaram alguns espaços como sagrados, que não se diferenciam em nada dos demais salvo numa declaração eclesial que assim o estipula, e isso, segundo ela, permite-lhe perseguir a quem,  dissentindo do seu critério, realiza algum ato, decisão ou manifestação, que elas consideram incompatível com a citada declaração. Igualmente, estabelecem que Jesus é filho de Deus e ele mesmo Deus consubstancial com o Pai, e este pronunciamento, apesar de ser contrário ao que dizem as Escrituras e os Santos Padres, serve-lhe para descarregar todo o seu ódio e agressividade contra todo um povo, ainda que a maioria dos seus membros nem sequer saibam quem foi esse Jesus nem conheçam os pormenores da sua morte. Tenhamos presente que o objeto deste trabalho não é sacar a reluzir os trapos sujos do cristianismo senão manifestar a nossa desconformidade contra as reiteradas denúncias apresentadas polos cristãos contra manifestações muitas vezes humorísticas pretextando que isso fere os seus sentimentos religiosos. Pretendemos demonstrar que quando faz isto está quebrantando o concelho evangélico de Mt. 7, 3, que diz: “E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?”.
 
As cruzadas medievais são expedições militares impulsadas polo poder religioso contra os infiéis, principalmente os muçulmanos com a finalidade de arrebatar-lhe os santos lugares e pô-los sob o controlo dos reinos cristãos. O papa era a esta altura um soberano mais, chefe dos Estados Pontifícios, dominação legitimada pola falsa doação de Constantino, supostamente ao papa Silvestre, e, com o objetivo de criar uma teocracia medieval universal põe no seu ponto de mira o controlo dos santos lugares. Com esta finalidade, substituiu a doutrina cristã contrária a participar em guerras dos três primeiros séculos polo conceito de guerra justa agostiniana, e introduziu o conceito de «paz de Deus», destinado a proteger os bens da Igreja e dos pobres, coordenado com o de «trégua de Deus», ou seja, o cesse das atividades bélicas em certos dias da semana, principalmente o domingo e sábado, que normalmente não se cumpria. Ao mesmo tempo, converteu a guerra justa, em guerra santa, aplicada precisamente à luta contra os infiéis muçulmanos e judeus, e que racha com a política anti-belicista da Igreja dos três primeiros séculos, que considerava a guerra como um assassinato em massa, o qual explica que se negassem a combater no exército imperial romano. “A morte no campo de batalha não se considerava gloriosa, nem a morte em luta contra o infiel se considerava como martírio; o mártir morria só armado com a sua fé. Lutar contra o infiel era lamentável, ainda que a vezes não podia evitar-se; lutar contra irmãos cristãos resultava duplamente mau1. A cruzada estava a cargo da Igreja, e, para dirigi-la o papa nomeou a Ademaro de Montiel, bispo de Puy. O papa Urbano II focou duas possibilidades: contratar um exército de mercenários, que era uma solução cara e não muito fiável, ou explorar o sentimento religioso dos fiéis, que foi a solução elegida e explorada com notável sucesso.
 
Historicamente não se conhecem nenhuma campanha de perseguição do povo hebreu contra outros povos, como aconteceu com o cristianismo a partir do momento em que foi declarado religião oficial do Império Romano e muito especialmente durante as cruzadas e a inquisição, e com os muçulmanos especialmente durante as cruzadas e nos séculos XIX - XX, mas não se pode achacar este facto a um especial pacifismo inato do povo israelense, senão que quiçá cumpre explicá-lo pola ausência de poder suficiente num mundo em minoria e pola consequente incapacidade para dominar coativamente aos seus vizinhos. Aliás, a sua dedicação a atividades financeira, que requere um clima de paz para ter êxito, criou neste povo uma cultura mui pouco favorável à violência, numa época em que a nobreza feudal, com uma mentalidade baseada no honor, se propôs resolver conflitos, endireitar tortos, e se dedica a empreender façanhas nas que era usual o recurso às armas. Devido á sua negativa experiência histórica os judeus associam o cristianismo com momentos álgidos de grande perseguição contra os judeus e a aplicação de métodos de castigo desapiedados: cruzadas, inquisição, queimas do Talmude, torturas, ódio e anti-semitismo, se bem alguns exculpam disto a Jesus e reconhecem a grande projeção que alcançaram com ele muitos dos valores do povo hebreu.  
 
Na Espanha visigótica, os judeus foram perseguidos pola monarquia e pola Igreja Católica, a partir do momento em que Recaredo se converte ao catolicismo e impulsa a homogeneização religiosa dos seus súbditos, que vai ser especialmente premente nos reinados de Sisebuto (612-621), que endureceu as leis anti-judias e decretou a conversão forçosa dos judeus, e de Ecija (687-702) que decretou a escravidão de judeus e conversos. Quando os muçulmanos desembarcaram na Península Ibérica no ano 711, os judeus experimentaram uma sensação de alívio por considerar que permitiria mitigar a sua situação de fustigação a que estavam submetidos nos reinos cristãos, e, realmente, nas zonas de domínio muçulmano gozaram de relativa paz, ainda que numa situação de subordinação, gozaram de paz e de liberdade de culto.
 
No século XI, as elites monárquico-nobiliárias e clericais fervem em ânsias de proezas, aventuras e sucessos bélicos e empreendem as cruzadas de libertação dos santos lugares a esta altura em poder dos sarracenos. Os predicadores ao tempo que exortam à paz interior, fomentam a guerra com o exterior, pois os nobres somente podem verter sangue pola causa de Deus. O objetivo primordial das cruzadas era a luta contra o infiel muçulmano para libertar Jerusalém do seu domínio e restabelecer o culto cristão, mas, de facto, converteram-se também numa cruenta perseguição e extermínio dos judeus. Segundo o rabino Eliezer Bar Nathan, “levantou-se gente arrogante de fala estranha, uma nação fria e impetuosa, franceses e alemães, de todas as direções. Decidiram partir para a Cidade Santa, para buscar a sua casa de idolatria, banir os ismaelitas e conquistar o território para si mesmos2. Muitos historiadores aprestam-se a exonerar a Igreja do massacre das cruzadas e afirmam que vários bispos se opuseram a este genocídio, mas, sem restar-lhe validez a esta afirmação, também é certo que vários os atraiçoaram apesar das somas de dinheiro recebida para protegê-los e outros somente acederam a protegê-los se se convertiam ao cristianismo, e, por outra parte, não pode ser eximido de culpa quem cria um caldo de cultivo baseado na animadversão contra uma etnia por, supostamente, ter dado morte a Deus. De ser certa esta afirmação, pouco crédito mereceria este Deus que não só se amostra impotente para remediar as misérias alheias senão que nem sequer é capaz de defender-se a si mesmo, se bem se constitui num potente reclamo para semear a morte e a destruição. Aliás, os desmandos das mesnadas cristãs nunca foram condenadas, que eu saiba, por nenhum documento papal apesar de ser os pontífices os máximos impulsores destas correrias, e nunca foi submetido a juízo nenhum dos participantes nelas apesar da sua gravidade, e o pretexto foi sempre que os seus autores não apareceram. Item mais, não se tomaram medida alguma para evitá-los nem sequer nas cruzadas posteriores. Há um elemento que vai propiciar o incremento da participação nas cruzadas e a subsequente violência exercida contra o povo judeu que é a dispensa polo papa de pagamento das dívidas dos devedores com os acredores, que eram normalmente judeus.
 
Neste clima de incitação à violência contra os infiéis participaram os pontífices Alexandre II que pregou a cruzada contra o infiel muçulmano ibérico prometendo indulgências aos cristãos que combatessem pola cruz na Espanha; e o papa Gregório VII, que acunhou a expressão milites Christi, soldados de Cristo, e convidou os príncipes da cristandade a implicar-se na contenda no reino espanhol que, a esta altura, pertencia à Sé Pontifícia. O seu sucesso contra os muçulmanos peninsulares induziu-o a prometer indulgências aos cristãos que se decidissem a ajudar o império bizantino, após a sua derrota na batalha de Manzikert ante os turcos em Ásia Menor, mas a promoção das cruzadas deve-se principalmente ao papa Urbano II (1088-1099) que, para satisfazer a petição de ajuda do imperador bizantino Alejo Conmeno, em dezembro do ano 1093, celebrou um concílio em Limoges, onde se tratou da cruzada contra os sarracenos, e em novembro do ano 1095 convocou um concílio que se celebrou em Clermont-Ferrand no que se decidiu perfilar o tema da cruzada ou da expedição para a libertação da terra santa, que ele propusera também no concílio de Piasença de março deste mesmo ano. Como vemos, o papa insiste na ideia de guerra contra o infiel ao que pretende derrotar com objeto de estabelecer o domínio religioso cristão em todo o mundo por meio de expedições bélicas de puro aventureirismo político-religioso que se converteram nas primeiras campanhas ocidentais em território estrangeiro. A seguir redigem-se 32 cânones dos que recolhemos os quatro primeiros:
               “1.º A paz ou a trégua de Deus será guardada todos os dias para com os clérigos, os monges e as mulheres; a respeito das outras pessoas, será guardada, polo menos a quinta feira, sexta feira, sábado e domingo.
               2º.- A cruzada será substituta de toda classe de penitência para os cruzados que façam a viagem a Jerusalém, por um motivo de devoção, e não para adquirir gloria ou riquezas.
               3º.- Somente se darão os deados e os arciprestados das igrejas aos presbíteros e os arquidiáconos aos diáconos.
               4º.- As eclesiásticos não levarão armas3. Ou seja, que antes de empreender esta aventura já decidem perdoar os pecados, repartir o botim e fixar os dias de trégua. A cruzada devia iniciar-se em agosto de 1096, mas já na primavera partiram as primeiras expedições de bandas ávidas de combate e de sangue pola glória de Deus, muito pouco organizadas e disciplinadas. 
 
Uma vez terminadas as deliberações o papa dirigiu um chamamento a uma multidão de seculares e clérigos descrevendo a lamentável situação dos cristãos dos santos lugares a mãos dos sarracenos ou muçulmanos, que já tomaram as cidades de Antioquia, Éfeso e Niceia e ameaçam as nações cristãs. “A raça dos elegidos sofre atrozes perseguições, e a raça ímpia dos sarracenos não respeita nem às virgens do Senhor nem os colégios dos sacerdotes. Atropelam os débeis e os anciãos, às mães quitam-lhes os seus filhos para que possam olvidar, entre os bárbaros, o nome de Deus4. Como vemos, agora o cristianismo também se apresenta como a raça elegida e, portanto, abre-se a via para matar em nome do seu Deus protetor. O papa exorta-os a empreender sem demora a guerra santa contra os muçulmanos pola libertação do povo de Deus prometendo-lhe o perdão dos seus pecados. “À todos os que partirão e que morrerão no caminho, quer em terra ou por mar, ou que perderão a vida combatendo os pagãos, ser-lhe-á acordado o perdão dos seus pecados. E eu concedo-lho a aqueles que participarão desta viagem em virtude da autoridade que tenho de Deus... São as recompensas eternas o que vão ganhar os que se faziam mercenários por um soldo. Trabalharão por um dobre honor os que se fatigavam em detrimento do seu corpo e da sua alma. Eram aqui tristes e pobres; serão além alegres e ricos. Aqui, eram inimigos do Senhor; além serão os seus amigos5. Por conseguinte, o papa promete-lhe uma vida regalada em além-túmulo a câmbio de imolar-se ad majorem Dei gloriam no presente, e todo garantido polo vice-gerente de Deus na terra sem gastar nem um cêntimo. Também lhe ofereciam uma libertação das suas dívidas, o qual motivou que muitos pessoas endividados se animassem a alistar-se nestas expedições, que eram consideradas como legítimas e justas porque eram obrigações contraídas contra uma raça ímpia que tinha dado morte a Cristo.                              Em realidade, em vez duma cruzada houve duas: uma do papado e a nobreza, integrada por cinco grandes exércitos nobiliários, ao mando de Godofredo de Bulhão, duque da baixa Lorena, e Roberto de Normandia, e outra dos mendigos, caraterizada esta por ser um movimento anti-semita surgido majoritariamente nas capas baixas da população, fundamentalmente entre os campesinos de França e Alemanha. A violência estala na cidade francesa de Rouen, onde os cruzados arrastaram à Igreja os judeus e mataram a todos os que se negaram a ser batizados,  e estende-se polas renanas de Mainz, Espira, Worms e Köln (Colónia). A cruzada dos mendigos estava comandada, num princípio, por Pedro de Amiens ou o eremita (ca. 1050-1115), que em vez de matar judeus preferiu utilizar a extorsão para procurar dinheiro dos judeus; levava uma carta dos judeus da França na que se pede aos judeus de Trier que doem provisões aos cruzados, ainda que na sua viagem por Hungria as suas tropas tomaram por assalto a cidade de Semlim e mataram perto de quatro milhares de húngaros. O seu liderado foi-se disseminando, mas como fruto da sua predicação, progressivamente outros tomaram o seu relevo. Um dos novos líderes foi o conde Emicho de Flonheim, um cavaleiro e bandido de Renânia, grande inimigo dos judeus, que foi quem congregou a tropa mais numerosa, ao que se uniram grande quantidade de singelos peregrinos que confiavam na sua inspiração divina, em total, uns dez mil homes, mulheres e meninos. Outros chefes surgidos também como resultado da predicação de Pedro o eremita foram o sacerdote Volkmar que, desde finais de abril de 1096, perseguiu os judeus em Magdeburgo e em Praga, Boêmia, onde massacraram todos os judeus da cidade, mas, quando em Hungria começaram as pilhagens, o seu exército foi massacrado polo exército de Coloman;  e o monge alemão Gottschalk, discípulo de Pedro, que dirigiu uma cruzada desde Renânia a Hungria, e perto de Taplany, massacrou a população, e, à sua vez, as suas hostes foram massacradas polo exército húngaro de Coloman, a finais de 1096, a causa das suas pilhagens. Os ataques dos cruzados produziram-se em lugares muito dispares e ao uníssono e algum autor sugere que obedeceram a uma inspiração violenta, mas esta explicação é totalmente desacertada já que não se acredita nenhuma inspiração nem sequer da Bíblia, e o lógico é que obedeça a que o zelo das autoridades cristãs produziu um caldo de cultivo que se traduziu num clima de fervor e fanatismo na população que teve como resultado estes massacres generalizados de judeus. Aliás, uma inspiração nunca é violenta, senão que são violentos os efeitos da inspiração.
 
As mesnadas cristãs, antes de dirigir-se contra os muçulmanos de Oriente provaram sorte matando a judeus nas cidades próximas, e “Quando passam por povos onde havia judeus diziam entre eles «Viajamos a terras distantes para buscar a casa de idolatria e tomar vingança nos ismaelitas, mas aqui estão vivendo entre nós os judeus, cujos antepassados o mataram e crucificaram sem motivo. Primeiro tomemos vingança neles,  destruamo-los como povo para que o nome de Israel não se volva a recordar ou de modo que sejam iguais a nós e se submetam ao filho da luxúria (Jesus)»6.
 
O 3/05/1096, os cruzados atacaram Espira e, apesar da proteção do bispo, não pudo evitar que mataram a dez judeus que se negaram a batizar-se. O rabino Eliezer narra-o assim: “O dia 8 de lyar (abril-maio), sábado, o inimigo atacou a comunidade de Espira e matou dez almas santas que santificaram o seu Criador no Sábado santo e rejeitaram sujar-se a si mesmos adotando a fé do seu inimigo. Havia uma mulher piedosa que se matou a si mesma em santificação do nome de Deus. Foi a primeira de todas as comunidades que foram matadas7. Em Worms o bispo também intentou proteger os judeus albergando-os no palácio episcopal, mas sem sucesso, porque foi assaltado polos cruzados que mataram os judeus que rejeitaram batizar-se. “O dia 23 de Lyar os lobos das estepes atacaram a comunidade de Worms. Alguns da comunidade estavam na casa, e alguns na corte do bispo local. Os inimigos e opressores atacaram os judeus que estavam nas suas casas, pilhando e matando homes, mulheres e filhos, moços e velhos. Destroçaram as casas e abateram as escadas, saqueando e pilhando; e colheram a sagrada Tora, pisaram-na lama da rua, e despedaçaram-na e profanaram-na entre escárnio e riso8. Sete dias mais tarde fizeram o mesmo com os judeus que estavam recluídos no palácio do bispo e a reação destes foi também a mesma. Os mortos nestes dous dias foi duns 800.
 
O 27/05/1096, as tropas do conde Emicho atacaram ao judeus que se refugiaram na palácio arcebispal de Mainz no que o arcebispo Rothard lhes dera refúgio e os protegera com a guarda episcopal a câmbio duma incrível quantidade de dinheiro, mas quando Emicho exigiu a sua entrega foram abandonados pola guarda episcopal e o bispo desapareceu subitamente. Perante a sorte fatal que lhes esperava e a impotência para fazer frente a esta situação, eles mesmos decidem imolar-se para não ver-se obrigados a renunciar à sua fé.  Este ataque saldou-se com a morte duns 1.100 judeus, incluídas mulheres e meninos, porque “o inimigo não amostrou misericórdia com as crianças e meninos de peito, nem piedade para as mulheres a ponto de dar a luz, Não deixaram sobrevivente ou resto senão uma fruta seca, e duas ou três sementes, devido a que todos eles estavam impacientes para santificar o nome do Céu. E quando o inimigo estava sobre eles, todos gritaram duma grande voz, com um coração e uma língua: «Ouve, o Israel,», etc.9. O comportamento dos judeus foi similar foi de auto-imolação para não evitar ser obrigados a apostatar. “As mulheres cingem os seus lombos com força e mataram os seus filhos e filhas e elas mesmas. Muitos homes, também, armaram-se de coragem e mataram as suas viúvas, os seus filhos, as suas crianças. A tenra e delicada mulher mata o seu filho com o que jogou, todos, home e mulheres erguem-se e matam-se uns a outros. As donzelas e noivas novas e criados olham pola janela e com uma alta voz gritam: «olha e mira, o deus nosso, o que fazemos pola santificação do teu grande nome para não cambiar-te por um colgado e crucificado...»10. “Os que estavam escondidos em Neuss, Welfinghofen e Xanten, Moers, Geldern e Alternahr sofreram o mesmo destino que os demais, e também muitos escolheram o suicídio11.
 
Em Köln (Colônia) os judeus não puderam evitar outra matança. “Milhares de judeus foram linchados em Köln, apesar de que o arcebispo da cidade intentou evitá-lo albergando-os no seu próprio palácio12. As notícias da crueldades praticadas com os judeus chega a Köln e os membros desta comunidade puseram-se a tremer perante o que se lhe avizinhava. “As notícias chegam a Köln o cinco do mês, a véspera de Pentecostes, e instilou um medo mortal na comunidade. Cada um escapou para as casas de conhecidos pagãos e permaneceu ali. À amanhã seguinte os inimigos levantaram-se e irromperam nas casas, saqueando e pilhando. O inimigo destruiu a sinagoga e removeu os rolos da Tora, profanando-a e lançando-a nas ruas para ser pisada debaixo dos pés13. EmTrier e mais tarde em Regensburg, os cruzados lograram que os judeus se converteram em massa, se bem com pouco sucesso porque, ao desaparecer a ameaça sobre eles, volveram de novo à praticar a sua religião. Em Trier, “alguns judeus que viviam lá... tomaram os seus filhos e espetaram-lhe um cuitelo no ventre dizendo que deviam enviá-los ao seio de Abraão com a finalidade de que não se convertam numa pelota nas mãos dos maníacos cristãos. Algumas das mulheres encheram as mangas e os corpinhos com pedras e botaram-se ao rio desde a ponte. Os demais que ainda tinham algum interesse pola vida amontoaram todos os seus bens e fugiram ao palácio onde precisamente naqueles dias se achava o bispo Eguiberto e, com bágoas nos olhos, suplicaram-lhe que lhes concedera proteção. O arcebispo aproveitou a ocasião para admoestá-los a que se batizaram... Terminada a admoestação, um rabino chamado Micha adiantou-se e rogou ao bispo que os ensinara, como assim fez, explicando-lhe o contido da religião católica. Então Micha exclamou: Ponho a Deus por testemunha de que eu creio o que ti acabas de expor e de que apostato do judaísmo; quando os tempos sejam mais tranquilos, estudá-lo-ei com mais detalhe. Agora batiza-nos rapidamente a fim de que possamos escapar dos nossos inimigos. O mesmo disseram todos os demais judeus. Então o arcebispo batizou-o e deu-lhe o seu nome, e os sacerdotes que se achavam lá batizaram todos os demais. Estes últimos abandonaram a fé católica ao ano seguinte, mas o rabino permaneceu fiel ao arcebispo e à sua nova religião14. Numa situação de medo extremo da comunidade judia, ao arcebispo não se lhe ocorre nada melhor que aproveitar para chantageá-los obrigando-os a intercambiar vida por batismo.  Estas conversões «forçadas» e a galope somente se prestam a semear a hipocrisia nas pessoas, da que são consequência o engano, a dobrez de pensamento, palavra e obra e o ódio contra as pessoas e instituições que atuam tão iniquamente.
 
Noutras cidades, como na bávara Regensburg (Ratisbona), os cruzados submergiram os judeus amedrontados em massa no Danúbio a modo de batismo coletivo. As razões do ódio anti-semita obedecia a razões religiosas, por atribuir-lhes ao povo judeu a responsabilidade da morte de Jesus; e por razões econômicas, porque a comunidade judia era próspera porque se dedicava a uma atividade muito lucrativa como é o empréstimo de dinheiro e as suas riquezas eram muito cobiçadas. O conde Emicho, igual que os outros dous aventureiros: Volkmar e Gottschalk, também fracassou no seu intento de libertar a Terra Santa dos infiéis pois as suas mesnadas foram derrotadas em Hungria e viu-se obrigado a retornar por onde vinhera.                               A cruzada dos mendigos teve mui pouco sucesso, mas a dos barões sim comseguiu o seu objetivo, pois, em março de 1098, Balduino, irmão de Godofredo, toma Edesa e funda o condado deste nome, que durará até o ano 1144. Boemundo logra entrar em Antioquia em junho de 1098, com a conivência da população, e o 15/07/1099 os cruzados tomam Jerusalém, criando assim vários reinos de taifas», dependentes dos ocidentais e principalmente do papa, de vida efêmera. Godofredo rejeita a coroa de Jerusalém e toma o título de advogado de Santo-Sepulcro, reservando assim os direitos da Igreja sobre o novo reino. Os cruzados celebraram a tomada de Jerusalém com uma autêntica carniçaria da população sarracena e judia, incluídas as mulheres e os meninos. Os defensores judeus recluiram-se numa sinagoga para orar e «preparar-se a morrer», e os “Frany (franceses) bloquearam as saídas e, a seguir, apinhando feixes de lenha todo o arredor, prenderam-lhe fogo. Aos que intentavam sair matavam-nos nas vielas próximas. Os demais queimavam-se vivos15.

 


1.  RUNCIMAN, STEVEN, Historia de las cruzadas, Alianza Editorial, Madrid, 1987, pp. 91-92.

2.  BAR NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)

3.  Dictionnaire des concilles, T. 1, p. 565.

4.  L'appel à la croisade du pape Urbain II - Classes BnF classes.bnf.fr/idrisi/pedago/croisades/urbain.htm Cf. LE MOINE, ROBERT,  Histoire de la première croisade, remacle.org/bloodwolf/historiens/robertlemoine/croisade1.htm, Liv. I, I.

5.  L'appel à la croisade du pape Urbain II - Classes BnF; classes.bnf.fr/idrisi/pedago/croisades/urbain.htm Versão de Foucher de Chartres

6.  Tomado de SUÁREZ BILBAO, Antisemitismo en Europa, Dykinson, Madrid, 1984, p. 148.

7.  BAR NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)

8.  BAR NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)

9.  BAR NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)

10.  Soloman bar Samson:  The Crusaders in Mainz, May 27, 1096, I.

11.  SUÁREZ BILBAO, FERNANDO, Los judíos y las cruzadas. Las consecuencias y su situación jurídicahttps://digitum.um.es/jspui/bitstream/10201/35399/1/51881-221121-1-PB

12.  GARCIA BLACO, JAVIER, Historia del papado, América Ibérica, 2010, p. 94.

13.  BAR NATHAN, ELIEZER, The chronicles of rabbi Eliezer Bar Nathan, "The Massacres of Jews by the First Crusaders" (1096)

14.  SUÁREZ BILBAO, FERNANDO, Los judíos y las cruzadas. Las consecuencias y su situación jurídicahttps://digitum.um.es/jspui/bitstream/10201/35399/1/51881-221121-1-PB

15.  MAALOUF, AMIN, Las cruzadas vistas por los árabes, Alianza Editorial, Madrid, 1989, p. 17.

 
 

 

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Ramón Varela Ramón Varela trabalhou 7 anos na empresa privada e, a seguir, sacou as oposições de agregado e catedrático de Filosofia de Bacharelato, que lhe permitiu trabalhar no ensino durante perto de 36 anos.