Pistolas no peito?

Benigno López, nomeado “Valedor do Povo” graças os votos dos três partidos institucionais (PP, PSOE e BNG), saiu novamente em defesa do espanhol e da sagrada unidade de Espanha perante a reclamaçom de direitos para os galegofalantes realizada por representantes do BNG no Parlamento autonómico. O "Valedor" acusou mesmo o BNG de pretender colocar "pistolas no peito" para impor o galego (sic).

Por Maurício Castro | Ferrol | 26/03/2010

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“Querem dar cabo dos direitos individuais?” (...) “Lembrem-se de que também está aí a Constituiçom espanhola!”, espetou com veemência para rejeitar qualquer compromisso com a língua ainda maioritária deste povo. O interpelado, ex-conselheiro do bipartido polo BNG, estava a denunciar a falta de garantias para o desenvolvimento dos direitos individuais por parte das galegas e galegos que querem viver em galego, umha realidade incontestável que em nengum caso sofrem os falantes da língua do Estado espanhol, que é a mesma de Benigno López.

O incidente a que aludimos, acontecido em sede parlamentar, situa diante dos nossos olhos a natureza das instituiçons vigorantes na Galiza. Instituiçons alheias, descaradamente ao serviço dos interesses espanhóis no nosso país, e nom da populaçom galega enquanto comunidade nacional sujeito de direitos colectivos.

A política lingüística em vigor na Galiza nas últimas três décadas, digamo-lo mais umha vez, responde a umha concepçom assimétrica que reconhece e aplica um modelo de territorialidade para o espanhol (a língua do Estado) e reduz o reconhecimento do galego a um modelo de personalidade (a língua cooficial), utilizando a terminologia proposta polo sociolingüista catalám Rafael Ninyoles já na década de 70.

Consoante tal concepçom, o espanhol é o idioma obrigatório em todo o território espanhol (lembre-se a sentença habitual de quem rejeita o galego: “estamos em Espanha!”). É importante sublinhar, embora seja umha evidência, que fora da Comunidade Autónoma da Galiza nom som repartidos inquéritos aos pais para decidirem em que língua querem educar os filhos e filhas. Nem sequer se pergunta em Ceuta e Melilha, territórios “espanhóis” onde nom menos de 40% da populaçom tem o árabe como língua materna. Tampouco aí se aplica a suposta “liberdade de escolha” que agora querem vender-nos o Partido Popular e nom poucos “socialistas”. Daí que a suposta “livre escolha” só afecte o galego, nunca o espanhol.

Para o galego, o modelo pessoal plasmado na cooficialidade implica que, com efeito, podemos individualmente fazer uso do nosso idioma, sempre que isso nom colida com a obrigatoriedade do espanhol.

Esse é o modelo de “convivência” que o Valedor do Povo defende, um modelo que, para o galego, equivale a fracasso, pois está a conduzir a nossa comunidade lingüística à morte por inaniçom.

E o BNG? Nom é fácil sabermos o que é que defende o BNG em matéria lingüística, pois nom tem umha exposiçom coerente e sistemática das suas pretensons e como elas seriam levadas à prática. Sabemos, sim, que defende a aplicaçom do Plano Geral de Normalizaçom da Língua Galega e da Lei de Normalizaçom Lingüística (embora rejeitasse esta quando foi aprovada, em 1983). De facto, no seu recuperado activismo lingüístico do último ano fala de “recuperar os consensos anteriores ao 1 de Março”. Sabemos também que, quando governou, se limitou a umha tímida promoçom do uso do galego, sem questionar o modelo autonómico.

Certamente, a política lingüística actual dispensa a administraçom e os governos andarem de colocarem umha pistola no peito às pessoas para que falem espanhol. Chega com que elas entendam que só dominando e falando o espanhol poderám aspirar a um futuro profissional, realizar qualquer trámite legal de maneira efectiva ou mesmo participar da cultura de massas que hoje caracteriza a sociedade urbana galega. O modelo defendido polo nosso suposto “valedor” funciona melhor que o das pistolas. Consiste em impor todo um aparelho institucional e económico veiculado na única língua obrigatória presente na sociedade galega e, em simultáneo, vender que isso se fai de maneira democrática e natural, acusando quem questionar essa lógica perversa de querer colocar “pistolas no peito” para mudar o estado de cousas.

Certamente, se algumha legalidade é filha das “pistolas no peito” é a actual espanhola, herdeira directa do golpismo e a ditadura. Na Galiza, alguns sectores e nom poucas pessoas ainda aspiramos a que algum dia podamos orgulhar-nos de umhas instituiçons democráticas que estabeleçam umha verdadeira oficialidade para o galego, sem a ameaça das pistolas que a Constituiçom espanhola reserva, ainda hoje, para quem defende o exercício do democrático direito à soberania... incluída a lingüística.

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Mauricio Castro Maurício Castro nasceu en Ferrol en 1970. Licenciado em Filologia Galego-Portuguesa pola Universidade de Compostela, dedica-se profissionalmente à docência de Português. É autor de diferentes ensaios, sobretodo de temática lingüística e sociolingüística, como a História da Galiza em Banda Desenhada (1995), Manual de Iniciaçom à Língua Galega (1998), Galiza e a diversidade lingüística no mundo (2001), o Manual Galego de Língua e Estilo (2007) ou Galiza vencerá! (2009). Primeiro presidente da Fundaçom Artábria.