Renda Básica?

Há uns dias recebim por correio eletrónico o link para um novo vídeo de promoçom da chamada ‘Renda Básica’, de pouco mais de 5 minutos de duraçom e realizado pola Rede espanhola do mesmo nome.

Por Maurício Castro | | 28/02/2017

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Deixem-me começar por esclarecer umha questom prévia antes de responder à pergunta do título. Considero a luita polas reformas importante, fundamental, imprescindível… e insuficiente.
Um exemplo disso é a chamada Renda Básica, tal e como ela é formulada e defendida nesse vídeo, que a seguir passamos a comentar:

Partindo de umha série de lugares comuns e assumindo a impossibilidade de transitar para além das condiçons impostas polo atual modo histórico de produçom, a Rede Renda Básica propom-nos a quadratura do círculo: qualquer cousa como enganar os “mais ricos” para que, visto que “nom há trabalho” (por culpa das “máquinas”), admitam financiar por via fiscal umha renda universal que, por um lado, permita viver o cada vez maior número de pessoas que nom podem trabalhar e, por outro, dê opçom a quem puder fazê-lo para negociar, “em igualdade de condiçons”, um “contrato digno”.

Fim do emprego?

O primeiro tópico apresentado logo nos segundos iniciais do vídeo situa as “máquinas” como causa principal da atual crise do sistema. De maneira confusa, este vídeo soma-se ao coro de vozes que leva décadas a anunciar o “fim do emprego”, segundo afirma, “devido ao desenvolvimento tecnológico”. É por isso, acrescenta, que “o capitalismo atual” nom pode garantir um emprego para todas as pessoas. Dizemos que o fai de maneira confusa, porque a seguir di que a causa está nas erradas “políticas económicas” dos governos. Entom, afinal, é por culpa das “máquinas” e da “tecnologia” ou das “políticas económicas”? Nom fica claro.

A verdade é que o capitalismo nunca garantiu um emprego para todas as pessoas, até por nom ter sido nunca esse o seu objetivo. Ao invés, o inevitável desemprego (lembremos o ‘exército industrial de reserva’ de Marx) sempre funcionou como forma de pressom sobre os salários, horários e direitos de quem si trabalha. Tampouco a chamada “precariedade” é umha novidade, sendo a superexploraçom da força de trabalho umha das alavancas tradicionais e necessárias no processo histórico de acumulaçom capitalista, principalmente nas épocas de crise, na procura do seu único e verdadeiro objetivo: a lucratividade.

Ninguém nega que os avanços tecnológicos e a maquinizaçom permitam prescindir de contingentes de mao de obra, graças à maior produtividade, que incrementa o lucro individual dos capitalistas mais avançados em cada sector produtivo. Porém, isso também cria umha instabilidade decorrente da expulsom crescente de populaçom sobrante do processo de produçom… e de consumo.

O que favorece os capitalistas individuais mais avançados prejudica o capital no seu conjunto, dificultando a sua valorizaçom e conduzindo à sobreproduçom. No fim das contas, desde que o capital se erigiu como contraditória forma de reproduçom social dominante, tem sido precisamente a sobreproduçom periódica resultante desse processo a que tem provocado todas as crises cíclicas, inclusive as que, como a mais recente, se apresentam com forma “financeira”. Nada de novo tampouco nisso.

Redistribuir lucros ou superar o atual modo de produçom?

Dito por outras palavras e resumindo, caberia perguntar à Rede Renda Básica: Se os donos das máquinas deixarem, precisamente por causa das máquinas, de recorrer à exploraçom massiva da força de trabalho alheia como fonte da sua riqueza (como sempre figérom), qual será no futuro a fonte dessa riqueza? As máquinas? A tecnologia? Será entom que a soma “máquinas + renda básica” encarna a fórmula mágica para a superaçom do modo de produçom capitalista e das luitas de classes como motor da história e que todo isso será feito mediante o financiamento via impostos por parte dos próprios capitalistas?

Nessa ingénua perspetiva, a novidade da proposta de Renda Básica estaria na tentativa de contornar as profundas contradiçons que atravessam este sistema: assumindo as condiçons de reproduçom da vida social que o capital nos impom, deveríamos tentar, em simultáneo, que essas contradiçons se apaguem através de umha renda cidadá universal que evite as arestas mais cortantes das relaçons sociais próprias do capitalismo. Quer dizer, “redistribuindo” parte dos lucros daquela minoria dos “mais ricos”, ilusoriamente obtidos do trabalho morto das máquinas, iria garantir-se nom só a reproduçom do valor da “minguante” força de trabalho (algo que o sistema sempre fijo e ainda fai!), como também a subsistência subsidiada da crescente populaçom sobrante.

Nom sabemos é se esses super ricos que governam o mundo irám concordar com a proposta, se bem a Renda Básica está a ter cada vez mais audiência em sectores da própria classe burguesa, segundo nos contam os meios de comunicaçom do sistema. Visto que nengumha classe dominante optou nunca na história polo suicídio, isso parece indicar que essa proposta estaria longe de pôr em risco a posiçom hegemónica daqueles que o vídeo denomina “os mais ricos”.

Tenha-se em conta que se trataria, tal como se reconhece no vídeo promocional que comentamos, só de “redistribuir” a renda, nom de mudar os mecanismos profundos da reproduçom social capitalista; de facto, o vídeo nem sequer recolhe outras medidas mais acordes com a consideraçom que para a esquerda sempre mereceu o trabalho, tais como a reduçom da jornada laboral e a conseguinte repartiçom do emprego sem reduçons salariais. Aí si encontraríamos o germe da superaçom da lógica histórica do capital, umha vez que obrigaria a enfrentar a dicotomia entre a taxa individual de lucro de cada patrom, em concorrência com os outros, e a recuperaçom, por parte dos próprios produtores e produtoras, de umha parte do que até hoje tem sido trabalho nom pago. Nom fai falta dizer que a segunda opçom obrigaria a retirar do processo produtivo a única peça totalmente prescindível, polo seu caráter improdutivo e parasitário: o patrom-proprietário da indústria ou empresa.

Longe disso, a Renda Básica representa apenas umha proposta daquelas com que, historicamente, umha parte da esquerda tem tentado compatibilizar a exploraçom capitalista com a erradicaçom das expressons mais gritantes da pobreza que provoca. Daí que mereça um rejeitamento radical na forma como é apresentada pola Rede Renda Básica: como alternativa estratégica capaz de conduzir a um capitalismo harmónico, mediante a redistribuiçom fiscal da riqueza.

Retomando o que afirmei no parágrafo inicial, considero imprescindível reclamar, como a esquerda sempre fijo, mais gasto social para a classe trabalhadora e para os sectores que mais sofrem a desigualdade estrutural do sistema: desempregadas, pensionistas, sem-papéis… tal como é necessário luitar polas melhorias salariais e outros direitos sociais de caráter parcial, cada vez mais questionados com a escusa, precisamente, da crise. Acho também que a repartiçom do emprego sem perda de salário deveria ocupar umha posiçom central nessas luitas.

Porém, nengumha dessas medidas constitui, em si mesma nem combinadas, umha alternativa à radical injustiça que sustenta o sistema. Ora, aspirar a que a redistribuiçom fiscal do património dos super ricos substitua a luita pola superaçom do atual modo de produçom supom nom só assumir que centenas de milhares de galegos e galegas sobram no processo de reproduçom social (na perspetiva do vídeo que comentamos, seriam milhons de espanhóis), mas também considerar irreversível a posiçom de hegemonia de classe que a burguesia ocupa como classe dominante no modo de produçom capitalista.

Seguramente seja isso o que explica que a própria burguesia se encontre dividida na hora de avaliar a conveniência de estabelecer algum tipo de renda social básica, como de facto já tem feito em alguns lugares do mundo. De resto, vale a pena lembrar que o gasto social é um recurso habitual da classe dominante, através dos governos, para possibilitar umha certa paz social que dê a estabilidade necessária ao processo de acumulaçom.

No fim das contas, e olhando frontalmente a situaçom da esquerda na Galiza e na Europa, poderá ser a ausência de movimentos de verdadeira contestaçom ao sistema o que leve a que nem sequer medidas paliativas como a renda básica que comentamos tenham sido até hoje tomadas em conta...

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Mauricio Castro Maurício Castro nasceu en Ferrol en 1970. Licenciado em Filologia Galego-Portuguesa pola Universidade de Compostela, dedica-se profissionalmente à docência de Português. É autor de diferentes ensaios, sobretodo de temática lingüística e sociolingüística, como a História da Galiza em Banda Desenhada (1995), Manual de Iniciaçom à Língua Galega (1998), Galiza e a diversidade lingüística no mundo (2001), o Manual Galego de Língua e Estilo (2007) ou Galiza vencerá! (2009). Primeiro presidente da Fundaçom Artábria.