A Renda Básica nos seus justos termos

Nos últimos números do Novas da Galiza abordou-se um dos temas que, nom sendo novo, sim ocupa um lugar de destaque no debate social em torno das saídas para a crise iniciada em 2008 e cujas conseqüências se arrastam até hoje.

Por Maurício Castro | Ferrol | 21/09/2017

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Assim, na reportagem do número de junho ofereceu-se a visom que sobre a Renda Básica tenhem diferentes coletivos sociais defensores da sua necessidade estratégica (1), enquanto no número de julho a Renda Básica foi impugnada com base nos limites físicos do planeta para sustentar a atual civilizaçom e os seus sistemas de proteçom estatal (2).
 
Gostava, nestas linhas, de apresentar umha análise crítica da que tem vindo a converter-se numha das “propostas estrela” nom só para boa parte da esquerda, mas também –por motivos diferentes– para alguns setores burgueses.
 
Tentarei fazê-lo mediante o esclarecimento de alguns conceitos ou categorias que, sem umha definiçom rigorosa, podem sustentar análises idealistas que vam da defesa incondicional da Renda Básica como proposta “anti-sistema”, à sua negaçom radical com base na sua “insustentabilidade” ambiental.
 
Por essa via, tentaremos argumentar os limites da Renda Básica como o que ela é: umha medida económica de proteçom da populaçom mais empobrecida e desfavorecida, mas nom para a superaçom das desigualdades nem da pobreza mediante o ataque às suas causas profundas.
 
Trabalho vs. emprego, riqueza vs. valor e produçom vs. distribuiçom
 
A reportagem que nos serve de ponto de partida leva um título bem significativo: “Libertar-se do trabalho?”. Citando o coletivo Renda Básica Universal de Compostela, assinala-se a aparente contradiçom entre a chamada “crise do mercado de trabalho” e a afirmaçom de que tanto a produtividade como a riqueza estám a crescer globalmente, “mas o problema está na distribuiçom”. 
 
Umha vez que estamos a falar de um sistema económico de tipo capitalista, será imprescindível entom estabelecermos as distinçons entre os pares que encabeçam esta epígrafe. 
 
1º Trabalho vs. emprego. O trabalho está na base da nossa constituiçom como espécie e seria impossível a nossa reproduçom enquanto ser social sem essa atividade exclusiva do ser humano. Certamente, ao longo da história o trabalho tem adotado diferentes formas (caçador-coletor, escravo, servil…), até a forma assalariada se converter em totalmente hegemónica, como hoje é. Julgamos, por isso, que a crítica dirigida ao “trabalho” deveria ter como alvo o “emprego”, quer dizer, o “trabalho assalariado” próprio das relaçons mercantis-capitalistas. Isso porque seria impossível eliminar o trabalho em geral da nossa existência social como espécie, ainda que sim consideremos umha necessidade premente ultrapassar a sua forma assalariada para atingirmos o trabalho emancipado como via de rutura com o trabalho alienado na sua forma atual.
 
2º Riqueza vs. valor. É verdade, como afirmam no coletivo RBU de Compostela, que a riqueza, entendida em termos quantitativos como produçom de utilidades sociais, está a aumentar, em boa medida graças à produtividade crescente, mas isso nom garante um melhor funcionamento em termos de lucratividade, porque mais riqueza nom implica mais valor económico. Ao invés, o aumento da produtividade dá origem a mais mercadorias por um preço menor, reduzindo a taxa de lucro burguesa e originando crises como a que assistimos na última década. Haverá que lembrar que ela nom foi umha crise de subproduçom, e sim de superproduçom, e que dessas se sai mediante a destruiçom de forças produtivas, expansom a novos mercados e aumento da intensidade da exploraçom do único elemento do processo produtivo capaz de produzir valor novo: a força de trabalho que os trabalhadores e trabalhadoras vendem no chamado “mercado de trabalho”. Isso explica o brutal aumento da desigualdade entre o peso económico das “rendas do trabalho” (salários) e o das “rendas do capital” (mais-valia) verificado nesta última década na Galiza.
 
3º Produçom vs. distribuiçom. Situar o problema na esfera da distribuiçom equivale a assumir como inevitável a relaçom económica de exploraçom da força de trabalho, a qual, como sabemos, acontece principalmente na esfera da produçom e funda o sistema capitalista. Soluçons “redistributivas” como a Renda Básica até podem representar legítimas ferramentas compensatórias dentro da chamada “luita económica” por melhorias parciais, mas nom “alternativas globais” para transformar o sistema. Tal perspetiva evitaria o questionamento radical da natureza intrinseca e crescentemente desigual do modo de produçom capitalista.
 
A Renda Básica na perspetiva dos capitalistas...
 
Todavia, nom só algumhas esquerdas proponhem algum tipo de “renda básica” como alternativa à “pobreza”. Há também economistas, forças políticas e governos abertamente burgueses que também a proponhem, embora por motivos diferentes. Se na esquerda se exagera o papel da Renda Básica enquanto ferramenta redistributiva (combinada com políticas fiscais que obriguem os mais ricos a pagarem mais impostos e a financiar assim a tal RB), setores capitalistas avaliam a necessidade de abrandar no possível as fortes contradiçons económicas surgidas da dinámica de exploraçom crescente da força de trabalho a que o capital se vê abocado para garantir a sua dinámica de valorizaçom. 
 
O objetivo neste caso é evitar umha eventual explosom social derivada da pauperizaçom de mais e mais camadas populares, nomeadamente a crescente populaçom excedente de um processo produtivo que expulsa cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras.
 
...e do decrescentismo
 
Chegados a este ponto, vê-se logo a escassa releváncia de reduzir a questom, como Manuel Casal fai no seu artigo, à perspetiva de um inevitável colapso do sistema por esgotamento de recursos energéticos fósseis. Sem entrarmos aqui no assunto do colapso, o que já figemos noutro texto recente que pode consultar-se na internet [https://gz.diarioliberdade.org/opiniom/item/172233-liberalismo-ambientalista-ou-recuperacom-do-horizonte-comunista.html], parece pouco justificável reduzir a crítica à Renda Básica só a motivos de tipo ambiental. Haverá também que levar em conta a lógica da reproduçom social analisada nestas linhas, umha vez que as críticas aqui argumentadas mantenhem total vigência com ou sem fim da produçom de petróleo, gás e carvom.
 
E porque nom repartir o trabalho?
 
Umha última consideraçom sobre a Renda Básica leva-nos a formular essa pergunta, que aponta claramente para o caráter explorador do sistema. Menos horas de trabalho, mesmo que seja ainda assalariado, repartido entre toda a populaçom ativa e sem reduçom salarial, obriga a assinalar o único elemento prescindível do processo produtivo, dado o seu caráter parasitário. Referimo-nos ao burguês proprietário dos meios de produçom, personificaçom da imprescindível lucratividade do capital que garante a continuidade do processo de acumulaçom em termos capitalistas.
 
Do questionamento da figura do dono da empresa, cujo lucro obstaculiza a repartiçom de trabalho sem perda de salário, à afirmaçom da centralidade do trabalho cooperativo livre ao serviço das necessidades coletivas do ser humano e nom do lucro de umha minoria, há só um passo; no entanto, esse passo nunca se dará se a nossa aspiraçom central for só que a classe dominante “redistribua”, mediante rendas básicas, umha fatia maior dos seus chorudos rendimentos provenientes da exploraçom através do trabalho assalariado.
 
* Este artigo foi publicado em papel no Novas da Galiza nº 159, de setembro de 2017.
 
Notas 
 
1. “Libertar-se do trabalho? Renda Básica e propostas por umha vida digna”. Aarón L. Rivas, Novas da Galiza, nº 157. Junho de 2017.
 
2. “Renda Básica ou distribuiçom da riqueza real?”. Manuel Casal Lodeiro, Novas da Galiza, nº 158. Julho de 2017.
 

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Mauricio Castro Maurício Castro nasceu en Ferrol en 1970. Licenciado em Filologia Galego-Portuguesa pola Universidade de Compostela, dedica-se profissionalmente à docência de Português. É autor de diferentes ensaios, sobretodo de temática lingüística e sociolingüística, como a História da Galiza em Banda Desenhada (1995), Manual de Iniciaçom à Língua Galega (1998), Galiza e a diversidade lingüística no mundo (2001), o Manual Galego de Língua e Estilo (2007) ou Galiza vencerá! (2009). Primeiro presidente da Fundaçom Artábria.