E ti, saes do clube?

Uma das poucas cousas que gosto de ver na televisão é a previsão do tempo. Mas não qualquer um: sempre que posso miro o da TVG. Não é que me resulte especialmente atractivo, nem o faço porque falem galego (se for por isso, não a veria nunca!): mais bem todo o contrário. Acho que acabei com tanta teima com os “homens e mulheres do tempo” da TVG que preciso continuar a ver, de quando em vez e mesmo que raramente dá no certo no que à minha comarca diz respeito, para me convencer, ainda mais, do que sempre pensei que lhe estava a fazer esta caixa parva à minha língua. Ou talvez seja puro masoquismo... O facto da aniquilação toma força na minha cabeça quando começo a ver essa “Televisión de Galicia”.

Por Iolanda Mato | Vigo | 14/08/2012

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O primeiro que lembro da caixa de luzes é o Xabarín Club. Não posso deixar de trazer à tona “O Mundo de Beakman”, com aquele científico, sua rata e mais a Rosie, que nos indicava a nós, crianças da Galiza, que podíamos encaminhar as nossas perguntas a Kansas City, Missouri. Perguntava-me uma e outra vez onde dianhos estaria a tal da aldeia essa que Rosie repetia coma uma locomotora... Não sei se alguém chegaria a escrever nem que achariam do assunto os da comarca de Kansas.

 
Também via as canções e videoclips, algumas mal-traduzidas do espanhol e com os pronomes todos mal colocados para que não lhes arruinasse a rima. Há cousas que nunca mudam! Mais mal do que bem percebia essa língua enlatada e mal pronunciada que durante anos me deixou lacunas que só agora consegui dissipar. Cada tarde o “Xabarín” despedia-se com uma frase que sempre me deixava matinando: “E ti, saes do clube? Afilia-te!” Eu não entendia porque o porco bravo lhe pedia dia após dia aos que decidiram ir embora do Clube, por descontento imagino, para filiar-se mais uma vez. Perguntava-lhe à minha irmã mais velha, que também não achava explicação. Este ano uma companheira de trabalho, que é de Vigo, desvelou-me o enigma! O raio do porco na verdade dizia: “E ti, já és do clube? Afilia-te!” O locutor pronunciava tão mal o /x/ que soava a /s/. Eis a minha confusão.
 
Agora o que gosto é de ver “O Tempo”, e realmente nada mudou desde que eu era criança. Ou sim... mas para pior! Lembro que havia uma canção do “Xabarín”, Kussondulola, que a minha irmã e mais eu adorávamos e cantávamos sempre... agora começam a dobrar os paisanos de Chaves, que resulta que falam noutra língua, que não é o “gallego” de Salamanca (há uma Iniciativa Legislativa Popular encaminhada nessa direção: http://ilppazandrade.blogaliza.org). Por vezes, irritada com os espanhóis que nem suspeitam da existência do “n” velar, acabo por tirar o som e conformar-me com os mapinhas.
 
A “Televisión de Galicia” nasce em 1985, em teoria para “potenciar” e “normalizar” o uso da língua galega. No entanto, lembro que na aldeia sempre produziu estranhamento. Nunca acabamos de identificar o que se falava na caixa de luz com a nossa língua. Uma vizinha não conseguia como, falando assim, se lhe chamava “Televisión de Galicia” e outra, desde que começou a expor-se as emissões “normalizadoras”, começou a sofrer uma diglossia aguda com a que escachávamos a rir todas as outras crianças: quando falava com gente da vila usava a língua da caixa, que às crianças nos parecia uma espécie de castelhano, enquanto ao falar com os outros vizinhos usava o nosso galego.
 
Depois de várias décadas radiando “normalización”, a língua não poderia estar pior. Em 2009, quando a RAG tornou públicos dados que mantinha agochados desde 2004, ficamos sabendo que o número de falantes monolíngues em galego (que só falam galego no seu dia-a-dia, mesmo sabendo outras línguas) descera até apenas 16%, estando agora bem por baixo disso. Sendo o modelo de língua o que marcam os salamantinos da TVG não é de estranhar que mesmo as pessoas que sempre falaram galego acabem fugindo para uma outra, mais precisa, menos extravagante. Há quem pensa que o descuido é por acaso, mas eu penso que nem é descuido nem é por acaso. A língua é o cerne da identidade e, como advertira Castelão, “se ainda somos galegos é por obra e graça do idioma”.
 
Contra o delírio coletivo cabe a trombose maciça, que já demonstramos pode funcionar (http://galiciaconfidencial.com/nova/10672.html). Outra hipótese, talvez menos nociva, é a receita da minha aldeia. Quando um meu curmão era cativo gostava de vir à aldeia todas as fins de semana. Ele, da vila, educado em castelhano, ressaltava entre o resto das crianças. Um dia, uma vizinha, que daquela não chegava aos quinze anos, teve uma arroutada com o rapaz, sem saber que nove palavras mudariam seus hábitos linguísticos para sempre: “Neno, ou falas galego ou não volves à aldeia”. E não voltou falar castelhano mais. Agora, já casado, confessa-me que quando vai ao estrangeiro (i.e., à Espanha) sente-se incomodo quando tem que falar castelhano. Mas ele, polo menos, consegue falar duas línguas com jeito, enquanto as irmãs, monolíngues em “castelhano”, dificilmente se fariam entender em Madrid. 
 

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