O papa Francisco e a teologia da mulher

Quando um contempla o campo da história, não numa impossível viagem ao passado -Einstein dixit- senão numa viagem do passado cara a nós, que panorama divisamos?

Por Ramón Varela | Vigo | 23/10/2015

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Limitando o nosso campo de vissão a certas calas, olhamos que as religiões do livro, quer dizer, as que reclamam possuir livros inspirados pola mesma divindade, apesar de que nada neles permita chegar a esta conclusão, parecem estar num estado de decomposição, e concretamente o cristianismo, em bancarrota moral, lógica e antropológica. Bancarrota moral, porque a moral cristão foi incapaz de dotar-se duma ética que contribua á felicidade humana. O prazer e toda felicidade neste mundo converteu-se em algo suspeitoso para ela, e aos que sofrem e são despossuidos dum mínimo vital somente lhe ofereceu uma hipotética felicidade no mundo do além. É uma ética que justificou e promoveu o eunuquismo, principalmente o espiritual, a escravidão, a misoginia, a homofobia, ... Constringiu a liberdade de pensamento coartando-a pola imposição do terror numa atuação sintónica e sincrónica da espada e a cruz. Bancarrota lógica porque intentou fechar a realidade em dogmas definitivos, perenes, imutáveis, insensíveis incompreensíveis e insensíveis a qualquer câmbio histórico, seja na sensibilidade, na ciência, na filosofia, na cultura, ... O único recurso que são capazes de aduzir a respeito dos dogmas é que são um mistério, esquecendo que foram propostos por seres humanos e com uma atuação prioritária do poder político. Uma bancarrota antropológica porque em vez de reconhecer e promover as potencialidades humanas, dotando-se dum humanismo integral, desapossou ao ser humano da sua faceta sexual, com a falaz pretensão de convertê-lo num anjo, e liberou a Deus de toda culpa, carregando a responsabilidade do mal cósmico, tanto físico como moral, na criatura humana, ficando assim convertido num demo. Em realidade, o humanismo cristão é somente um anjo-teísmo-demonismo.
 
A misoginia cristã deriva a sua origem do mito do pecado de Adão, mais tarde transmutado em pecado original por obra de Santo Agostinho, que se utilizou historicamente para degradar até limites incríveis a personalidade feminina. A mulher foi concebida como um ser maligno que induziu a um ingênuo Adão a desobedecer os mandados divinos, convertidos em mandados trampa para fazer recair sobre o ser humano a responsabilidade do males que afligem á humanidade. Jesus era um home e elegeu somente a homes como colaboradores. Dizia o misógino São Paulo que «mulieres in eclessia taceant», que as mulheres na Igreja calem, convertendo-as em seres mudos limitados a escutar aos homes na sua casa. Estas questões históricas de fato, são suficientes para a Igreja para concluir que também deve ser questões de iure e para apresentar uma doutrina moral e jurídica e moral que justifique a superioridade do home sobre a mulher. Esta ilação lógica incorreta, serviu-lhe a Bento XVI para afirmar que “por algo Deus se encarnou num home”, que condensa toda a misoginia eclesial contra a mulher.
 
O rol histórico da mulher na Igreja limitou-se a servir de companheira ao home no referente á procriação, porque, como diz Tomás de Aquino, noutras cousas está melhor ajudado por outros homes. A mulher, segundo este teólogo medieval, deve estar submetida ao home, porque de por si é incapaz de evitar a concupiscência. Parece que na Idade Média as mulheres se dedicavam a violar aos homes! Como cambiam as cousas, meu Deus!
 
A filosofia acudiu também presta a justificar esse subordinacionismo da mulher ao home, inclusive em autores com uma filosofia antitética á mensagem cristã, como é o caso do grande misógino Federico Nietzsche, que escreveu algumas das páginas mais duras sobre o movimento de emancipação feminina. “Pois, que podem produzir esses torpes ensaios de erudição feminina e de despojo de si mesmo, da mulher? Tem tantos motivos a mulher para ser pudica! Oculta tantas cousas pedantes, superficiais, escolásticas, tanta presunção mesquinha, tanta pequenez imodesta e desenfreada! Analisem-se, polo menos, as suas relações com os meninos. No fundo o que reprimiu todo isto foi o «temor» ao home. ... Confessemo-lo, nós, os homes, honramos e amamos precisamente esse arte e esse instinto na mulher, nós que temos a missão difícil e que nos unimos voluntariamente, para alívio nosso, a seres cujas mãos, cujas  olhadas, cujas tenras loucuras fazem aparecer quase como erros a nossa gravidade, a nossa profundidade. Em fim, eu proponho esta questão: jamais a mulher concedeu profundidade a um cérebro de mulher nem justiça a um coração de mulher. E não é verdade que, em resumidas contas, «mulher» foi desprezada, sobre todo, polas mulheres e não por nós? Nós os homes desejamos que a mulher não continue comprometendo-se por declarações. Pois missão do home era velar pola mulher, quando a Igreja decretava: «mulier taceat in eclesia». Polo bem da mulher, Napoleão deu a entender á mui discreta Madame de Stael: «mulier taceat in politicis!» E eu creio que um verdadeiro amigos das mulheres é aquele que grita hoje ás mulheres: «mulier taceat de muliere»”. (Para além do bem e do mal, 232) Mas a mim, Sr. Nietzsche, como não são amigo das mulheres e são um contraditor impenitente, um ligeiro e um superficial, gosto de gritar: «mulier loquatur de omnibus et maxime de mulieribus». Por tanto, que a mulher fale de todas as cousas, e é a principal indicada para fazê-lo da mulher. 
 
O papa atual em exercício, Francisco, fala de que é precisa uma teologia da mulher, e faz esta proposição após afirmar que o tema da ordenação da mulher já o deixou fechado João Paulo II, e, por tanto, a apertura dum debate sobre este tema já está fechado. Ora bem, uma teologia da mulher, nestas condições, é insustentável teoricamente, pois a mulher não necessita uma teologia da mulher senão uma feminologia, um tratamento íntegro e rigoroso da mulher, que não parta de preconceitos fechados, nem do mesmo conceito de Deus, logicamente incompreensível. A mulher não necessita florituras masculinas que ocultem a sua situação subordinacionista, senão um reconhecimento dos seus direitos íntegros em igualdade com o ser masculino, respeitando a sua diferença genérica. Esta feminologia deve ser protagonizada por mulheres principalmente, porque somente elas são capazes de expressar como se sentem e como desejam ser tratadas polo home com a finalidade de lograr uma igualdade real de direitos entre os sexos. 
 
Recomendar-lhe-ia, modestamente, ao papa Francisco, que tenha presente que somente com talante não se governa o mundo e que, para lograr um câmbio real na Igreja, que eu considero inviável polo mesmo anacronismo e gerontocracia da organização do papado, instituição conformada a partir do século IV, polos interesses coincidentes do Imperador romano, que atuou durante os séculos IV e V como o Papa real, e do Papa de Roma, como estamos em condições de provar compridamente, são precisas medidas legislativas que transformem as caducas estruturas atuais da Igreja numa estrutura para o dia de hoje, que seja capaz de apresentar um programa incitante á sociedade que demonstre que tem um papel que cumprir em benefício duma sociedade mais fraterna, livre e igualitária.
 
     

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