Brexit: causas e sintomas

A votação do dia 23/06/2016 na Grã Bretanha foi histórica pelas conseqüências que pode produzir na UE e na economia global. Os mercados mantinham certa calma porque consideravam que não se produziria o tsunami britânico. Ante este evento, os políticos espanhóis apressaram-se a botar-lhe a culpa á direita e aos populismos, como é o caso do PSOE; ao imobilismo, populismo e nacionalismos, no caso de Rivera; á crise e á carência duma união mais estreita, como no caso do PP; á uma Europa injusta e insolidária, no caso de Podemos. Alguns políticos culpam do problema á democracia mesma, como é o caso de Pedro Sánchez, que manifestou que “isto ocorre quando se consulta á cidadania”, ocorre por trasladar-lhe á cidadania problemas que devem resolver os políticos; Rivera bota-lhe a culpa ao referendo secessionista, e Rajoy declara que isto ocorre por trasladar-lhe á gente decisões difíceis. “Somente se devem fazer em circunstâncias mui excepcionais porque para isso estamos os governantes, não para trasladar-lhe as decisões difíceis á gente".

Por Ramón Varela | Bruxelas | 25/06/2016

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Eu considero que algumas destas valorações confundem os sintomas com as causas do Brexit, a incapacidade dos políticos com a dos cidadãos e a democracia com o governo das elites. O chamado populismo, denominação vaga que ninguém define com precisão e que é mais bem uma arma arrojadiça contra os adversários políticos, aproveita-se do mal-estar da cidadania com Europa para propor as suas alternativas, que evidentemente não é, nalguns casos, a que nos gostaria a nós. Mas aproveitar-se do mal-estar não equivale a provocar o mal-estar. O mal-estar véu provocado pólas políticas duma Europa cega e surda ante o sofrimento alheio; deve-se a uma Europa liderada por Alemanha e dócil aos seus ditados. Tenho manifestado em artigos anteriores que hoje a democracia não existe na Europa, que a única nação que pode praticar a democracia é Alemanha, por ser a única na que os cidadãos realmente decidem quem vão ser os seus governantes e as políticas a aplicar. Mas, que democracia existe em Grécia, que somente pode aplicar as políticas decididas pela troika, e mui especialmente por Alemanha? Que democracia existe em Espanha na que um governo como o do PP se apresenta ás eleições com um determinado programa A, e, a seguir, o cambia desde o primeiro dia de governo para aplicar o programa que lhe ordena a Merkel? A falta de democracia foi um dos argumentos recorrentes dos votantes britânicos, porque constatam, ao igual que todos os demais, que uns chefes de estado e de governo, liderados pela chanceler alemã, decidem sobre todo á margem dos cidadãos, ante os quais não respondem. Merkel não tem que dar conta para nada ante o votante espanhol senão somente ante o alemão, único a quem tem que demonstrar a bondade das suas políticas e que pôs em cintura aos «vagos» e «dissipadores» habitantes sulistas.

Frente a este déficit democrático, tanto o PSOE, como C’s e o PP respondem que o problema do Reino Unido da Grã Bretanha consiste em que praticou a democracia. O que cumpre é aplicar-lhe aos britânicos a mesma medicina que aplicam aos catalães, bascos e galegos: que não podam manifestar-se, e a justificação é que os cidadãos não são capazes de compreender os problemas difíceis e, por isso, há que aforrar-lhes trabalho e que decidam os políticos, que são o únicos preparados para isso, como já manifestara o velho Platão. Mas, se isto é assim, porque não tem já solucionado este problema em vez de trasladar-lho á cidadania? Item mais, porque empeçonharam o problema catalão em vez de resolvê-lo? Não se dão conta de que o fracasso da Europa, ao igual que o da Espanha, reside na incapacidade dos políticos para arranjar os problemas? Ou é uma solução acaso organizar a guerra suja contra os adversários políticos catalães prevalendo-se do controle dos corpos policiais ou recorrer um estatuto já referendado pela cidadania de Catalunya?

Rajoy manifesta que somente se deve consultar a cidadania em casos excepcionais, e, por tanto, a regra deve ser não permitir-lhe que se pronuncie sob pretexto de que, como disse o ditador Franco, o povo não está preparado. De facto, a negativa a dar-lhe a palavra aos catalães deve-se a estes preconceitos pré-democráticos e não a nenhuma impossibilidade constitucional. Que diferença com a Suíça que consulta todo á cidadania quando o pedem os cidadãos ou os políticos? É que os suíços são mais inteligentes que os demais? É que Suíça vai pior que qualquer outro país europeu? Tem menos estabilidade? É claro que não todos os cidadãos têm os conhecimentos necessários para ocupar postos de caráter técnico, mas si têm a capacidade de valorar se o país vai bem ou não, se ingressa mais ou menos que antes, se tem segurança no trabalho ou não. De facto, deram-se conta das suas políticas hostis com a cidadania do PP apesar da manipulação e repressão. A palavra democracia significa governo do povo, mas como vai poder governar um povo que nem sequer pode falar? Aliás, tenhamos presente que quando há problemas sociais novos surdem novos partidos que fazem conscientes a cidadania do que está a passar, e, por tanto, a democracia é, em grande parte, uma competência das elites para obter o favor popular, como dizia Schumpeter.   

Rivera atribui o problema europeu aos nacionalismos, e quando diz nacionalismos supomos que se refere aos nacionalismos de estado, que são os que marcam o devir da política européia, e não aos denominados nacionalismos periféricos, por ele tão detestados, mas que não atam nem desatam. Mas, como é capaz de resolver o problema dos nacionalismos europeus um furibundo nacionalista espanhol, que cifra o essencial do seu programa em combater os nacionalismos periféricos em aras de reforçar o nacionalismo espanhol e lograr a Espanha única e indivisível dos seus sonhos imperialistas? É que os que estão dispostos a empeçonhar a convivência espanhola com um discurso único e com a defesa duma Espanha rância, única, radial e oligárquica, são os indicados para construir uma Europa distinta assentada na diversidade, nos valores da paz e da convivência harmônica na que se respeitem os direitos dos cidadãos, povos e estados, quando o desprezo destes valores foi o que desencadeou a crise européia atual? Ou é que um indivíduo pode ser livre se o seu povo, ao que quer e apreça, carece de liberdade?

Atualmente temos uma Europa alemã e todos os demais países, salvo França quiçá, estão satelizados. Aliás, como dizia o chanceler alemão Helmut Kohl, Merkel não é capaz de compreender o problema europeu. Não sabe ver que Alemanha, como a primeira potência exportadora da EU, é a mais beneficiada por dispor dum mercado no que colocar os seus produtos sem pagar direitos alfandegários e que isto também há que tê-lo em conta nas suas relações com os demais sócios, aos que cumpre ajudar também se têm problemas. Os países da zona euro prescindiram dos seus bancos centrais, transpassando-lhe as suas atribuições ao BCE, mas essa política não foi acompanhada duma mutualização da dívida nem duma maior união bancária e fiscal. O resultado foi catastrófico quando se desencadeou a crise no ano 2007, porque os diversos países não tiveram os mecanismos necessários para fazer-lhe frente e tiveram que recorrer á deflação dos salários e aos recortes do gasto, com conseqüências devastadoras sobre a população. O governo de Rajoy intentou controlar o mal-estar, produzido na sociedade espanhola pelas políticas oligárquicas que decidiu pôr em marcha, com a repressão, e de ai a lei mordaça; e com a propaganda, para o que recorreu ao câmbio da lei de nomeação do diretor de RTVE que deixou em exclusiva em suas mãos. Mas que não se engane Rajoy, que um sentimento de mal-estar profundo pode estalar em qualquer momento, e, em todo caso, já tem um filho destacado que se chama Podemos, que não provocou o mal-estar do 15 M, senão que tiveram por pai as políticas austericidas do bipartito PP-PSOE, que já fracassaram no ano 1929 e de novo volveram fracassar agora. 

Creio que a integração européia pode ser mui positiva com um desenho renovado, ou, como diz Hollande, com outra refundação, mas cumpre, para isso, corrigir algumas eivas: a primeira é o seu déficit democrático, que os cidadãos tenham a palavra e não os estados; a segunda, que seja uma Europa ao serviço dos cidadãos e não só das oligarquias, e pela que se introduzem, a escondidas, tratados como os do TTIP, TISA, que têm como finalidade limitar a soberania dos povos com objeto de proteger as oligarquias; a terceira, que deixe de ser uma Europa dos nacionalismos impositivos dos estados e se converta numa Europa dos povos, integrados uns com os outros em estruturas cada vez mais inclusivas para entre todos conformar os Estados Unidos da Europa".         

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