Fetiches e superstiçons no process catalám. Reflexons para o debate

Há uns dias um prezado camarada latinoamericano conversava comigo por whastApp sobre a situaçom do processo independentista catalám. Este dirigente dumha organizaçom revolucionária do país de Salvador Allende é Miguel Enríquez, dizia textualmente “Ouça, ao parecer o Estado espanhol tomou o controlo total da Catalunha?”. Eu respondim com um lacónico “Sim”. De imeditao voltou a perguntar, “E existem independentistas que saiam a pelejar?”. Perante o meu telegráfico “Nom”, afirmou “Que lamentável”. O meu novo “Sim” foi respondido com um “Bom, mas nom se enfade comigo, eu sou chileno, nom catalám”.

Por Carlos Morais | Compostela | 04/11/2017

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Esta breve conversa, completamente intrascendente para o rumo dos acontecimentos em curso, sintetiza a perplexidade e desconcerto em que se acha umha boa parte da solidariedade internacionalista com a Catalunha, e acho que um considerável setor do povo trabalhador catalám que defende a República.
 
O relato hegemónico entre as pessoas e forças que na Galiza defendemos o direito de autodeterminaçom, a 27 de outubro saudámos com alegria a proclamaçom da República catalana, está condicionado pola lógica pequeno-burguesa maioritária na prática totalidade das organizaçons que nos autosituamos no campo da esquerda.
 
Porém, nom só é a carência dumha interpretaçom de classe, mas basicamente a inexistência dumha linha política genuinamente classista no movimento independentista da Catalunha, o que nos permite entender, mas nom compartilhar, todo o que está acontecendo.
 
Perante a natural negativa do regime oligárquico espanhol a pactuar com as autoridades autonómicas catalanas um referendo de autodeterminaçom, entre permanentes  vacilaçons e erráticas medidas, finalmente o Govern seguindo o mandado do Parlament, decide organizar um referendo sem a autorizaçom de Madrid.
 
1 de outubro foi a constataçom empírica da firme determinaçom de um setor mui quantitativo do povo catalám de querer decidir o seu destino, desafiando a brutal repressom espanhola, no que foi um dos movimentos de desobediência civil mais maciços nas últimas décadas a escala global.
 
Nessa heroica jornada a Catalunha republicana logrou simbólica e mediaticamente desmontar as falácias do regime, e demonstrar sobre o terreno que um povo auto-organizado, que perde o medo, pode vencer o mais poderoso inimigo.
 
O seguimento praticamente total da greve geral de 3 de outubro convocada polas organizaçons sindicais de classe, ainda que desvirtuada polo Govern e os partidos de Junts pel Sí ao mutá-la num paro cívico em “chave de país”, foi desaproveitada para acelerar a declaraçom da República.
 
Deixou-se esvaecer deliberadamente o momento subjetivo mais álgido do movimento de massas independentista. Deixou-se enfriar umha conjuntura sociopolítica magnífica permitindo a recuperaçom de um Estado espanhol ainda aturdido polo estado de shock, provocado polos perto de 2 milhons trescentos mil catalanas e cataláns que tinham participado numha consulta declarada “ilegal” urbi et orbi, no que venceu abrumadoramente o sim à independência nacional.
 
Perda da iniciativa polo independentismo
 
Contra todo prognóstico e basicamente frente às leiçons da rica experiência histórica da luita de classes e de libertaçom nacional, novamente a orientaçom e os passos a dar voltárom a ficar em maos dos aparelhos políticos e das elites independentistas.
 
Mas Espanha foi ágil. Essa mesma noite um telegráfico discurso de Felipe VI, de facto umha declaraçom de guerra em toda regra a Catalunha, logrou recuperar a iniciativa para o regime.
 
O unionismo começou a desputar a rua como espaço até o momento praticamente exclusivo da Catalunha rebelde e independentista. O Senado sob controlo do PP ativa o artigo 155 com apoio do PSOE, e a resposta de Puigdemont foi umha proclamaçom de 8 segundos, e a imediata suspensom da independência, na sessom de 10 de outubro, em aras de nom quebrar a “negociaçom”.
 
A deceçom e desmobilizaçom que provocou este disparo sem pólvora, foi novamente aproveitado polo Estado espanhol para pressionar a burguesia nacional catalana mediante diversos recursos: atemorizando com mais repressom, com detençons, e iniciando umha campanha mais propagandística que real de descapitalizaçom da Catalunha.
 
Neste contexto som detidos e apresados os Jordis, os dous dirigentes das principais organizaçons de massas indepedentistas.
 
A vontade negociadora exprimida por Puigdemont de solucionar o conflito numha mesa, atingiu tal grau de comédia quando ao longo do dia 27 de outubro, entre umha nova crise no Govern saldada com o abandono do traidor Santi Vila, o President atrasa e posteriormente desconvoca umha declaraçom institucional na que tinha previsto anunciar a convocatória de eleiçons autonómicas para evitar à desesperada que o Senado ativasse o 155. Missom impossível!, que basicamente suporia um grave incumprimento do mandado popular do referendo de autodeterminaçom.
 
Mas perante a falta de garantias de cumprimento das demandas mínimas exigidas polo Govern para desativar umha nova proclamaçom da independência, com o PNB como interlocutor entre ambas partes, as posiçons imobilistas espanholas, derivadas da involuiçom e fascistizaçom do regime postfranquista, provocam um giro copernicano. Finalmente nessa mesma tarde numha fria sessom do Parlament a bancada independentista aprova sem grande entusisasmo a proclamaçom da República catalana.
 
Mas novamente, contra todo prognóstico seguindo a lógica do meu camarada Marco Riquelme, nom se avança na implementaçom desta decisom histórica. O independentismo mais alá dumha macrofesta e duns discursos de Puigdemont e Junqueras nas escadas do Parlament,  entre um banho de alcaides, com certos barnizes épicos, volta a dar um passo atrás.
 
Novo capítulo do golpe de estado
 
Enquanto o Senado aprova o artigo 155 e convoca eleiçons autonómicas para 21 de dezembro, no que é um novo capítulo do golpe de estado contra  a Catalunha promovido polos partidos da oligarquia [PP, PSOE e C´S], com a morna oposiçom de Podemos e IU, as forças independentistas optam por nom ativar a resistência, por nom aprovar no Parlament as primeiras leis republicanas,renunciando a defender as suas instituiçons, controlar o território e a desafiar o Estado espanhol mediante convocatória de greve geral indefinida, com centos de milhares de pessoas colapsando as vias de comunicaçonm e as infraestruturas estratégicas, para forçar a verdadeira negociaçom sobre os termos de como se produz o traspasso de poderes e a saída ordenada de Espanha do território catalám.
 
Com umha Catalunha intervida e ocupada de facto por um pé de força de mais de 10 mil efetivos das forças coercitivas do Estado espanhol, Puigdemont, acompanhado por metade do seu Governo, opta por refugiar-se em Bruxelas para evitar entrar em prisom sob acusaçom de “rebeliom, sediçom e malversaçom de fundos públicos”.
 
Neste contexto de repressom in crescendo no que som cessados mais de 200 altos responsáveis da Generalitat, e controlados sem resistência algumha os Mossos de Esquadra polo Minstério espanhol de Interior, o independentismo, sem a confirmaçom definitiva da CUP, opta por participar nas eleiçons autonómicas convocadas por Espanha.
 
De imediato, tem lugar o segundo grande golpe repressivo, com a detençom na tarde de 2 de novembro do vice-presidente Oriol Junqueras e sete Consellers por ordens da “Audiência Nacional”, e umha ordem de captura internacional contra Puigdemont e o resto do Govern legítimo da Catalunha refugiado na Bélgica.
 
Novamente a repressom funciona como ativador e aglutinante, sacando às ruas dezenas de milhares de pessoas indignadas pola detençom do Govern.
 
Há umhas horas a Intersindical-CSC anuncia greve geral para 8 de novembro. Medida imprescindível para recuperar a iniciativa. Só a classe operária catalana, com a solidariedade ativa do conjunto dos proletariados do Estado espanhol, poderá consolidar a República, provocando umha ferida mortal na monarquia e no corruto e criminal regime do 78.
 
Nos vindouros meses viveremos momentos amargos e complicados, mas desde quando o parto de um mundo novo se logrou sem dor?   
 
Condicionantes a superar pola dialética dos factos
 
A génese e desenvolvimento do process, edificado em base a um conglomerado mui plural de forças políticas e sociais, que oscilam entre o neoliberalismo e umha difusa esquerda anticapitalista, condiciona o futuro da atualmente virtual República catalana.
 
Seguir acreditando no emprego exclusivo da praxe pacifista, da nom violência como princípio indiscutível e permanente, na eficácia dos 198 métodos de desobediência civil elaborados por Gene Sharp no manual Da ditadura à democracia, é a dia de hoje mais que umha simples ingenuidade infantil, expressom da mais pura creença metafísica. É nom querer assumir que Espanha está disposta a sacar os tanques e a Legiom para esmagar a sangue e fogo os anelos de liberdade do povo catalám. E nom querer ver que Ghandi venceu o colonialismo británico nom polas saus prédicas pacifistas, mas sim porque a emergente República Índia contava com centenares de milhares de fusis.
 
“Marx afirmou em 1848 e em 1871 que existem numha revoluçom momentos em que abandonar umha posiçom ao inimigo sem combate desmoraliza mais as massas do que umha derrota sofrida em combate”. [Lenine, “O significado histórico da luita no seio do Partido na Rússia”].
 
Continuar confiando em que a UE vai reconhecer a nova República, a medida que as mais mínimas margens de diálogo e negociaçom desaparezam pola intoleráncia espanhola, é negar-se a aceitar a natureza desse espaço económico imperialista conformado por Estados contrários a qualquer alteraçom das fronteiras dos seus respetivos mercados que contribuam para a sua desestabilizaçom interna e podam provocar umha crise superior ao Brexit. Até Portugal foi desagradecido, nom correspondendo à contribuiçom histórica da rebeliom catalana contra Felipe IV, para o início da restauraçom da sua independência nacional em 1640!
 
Tradiçom combativa
 
A Catalunha contemporánea possui umha rica tradiçom combativa e insurgente. O independentismo na década dos vinte do passado século dotou-se das milícias “Escamots” promovidas polo Estat Catalá, destacando a fracassada tentativa de declarar a República nos fets de Prats de Molló. O movimento operário de fasquia anarcosindicalista dotou-se de grupos de autodefesa [”Os Solidários”], ativos entre as duas primeiras décadas do século XX para fazer frente ao terrorismo patronal, germe dos posteriores Comités de Defesa da CNT. As marxistas POUM e PSUC contavam com milícias operárias. Foi o proletariado em armas quem derrotou o golpe fascista de 1936 nas ruas de Barcelona.
 
A guerrilha antifranquista estivo muito presente na Catalunha na década de quarenta. Durante o franquismo houvo experiências notáveis de luita armada [Exèrcit Popular Catalá (EPOCA), Front D´Alliberament Català], e no período do postfraquismo Terra Lliure. 
 
Porém, semelha que o karma do binómio protestos “pacíficos e democráticos” que repetem como papagaios todos os vozeiros do independentismo, ao que às vezes se acrescenta o concepto “cívico”, determina aparentemente o consenso da açom teórico-prática do conjunto movimento republicano catalám.
 
O factor tempo pode ajudar a resistência catalana, pois a recesom que os economistas prognosticam padecerá o Estado espanhol em 2018, o descontrolo do défice e a queda tangencial do PIB, som espadas de Damocles que embora a oligarquia oculta, podem favorecer as expetativas da República emergente.
 
Mas nom podemos desconsiderar a evoluiçom fascistizante do regime, que nom descartará um deslocamento face umha democracia burguesa de corte autoritário, inspirada no modelo turco.
 
Chegados a este ponto, com parte do Govern detido e a outra no exílio, em prisom os líderes da ANC e de Òmnium, a prevísvel detençom da Mesa do Parlament, a CUP ameaçada de ilegalizaçom, com um Estado espanhol em plena deriva autoritária, coesionando assim importantes segmentos da populaçom à volta do discurso supremacista e chauvinista espanhol que justifica toda forma de repressom, com uns meios de [des]informaçom aplicando com entusiasmo a doutrina de Goebbels, qual é a estratégia a seguir para construir a República catalana?
 
Salvo Finlándia [dezembro de 1917] e Eslovénia [junho de 1991], que sim atingírom a sua independência de forma “pacífica”, embora no país nórdico houvesse umha cruenta guerra civil nos meses posteriores, e no balcánico umhas escaramuças saldadas com dez vítimas mortais, nom existem casos na Europa do século XX em que a naçom opressora permitisse pacificamente a independência da naçom oprimida.
 
A poucos dias do centenário do início da insurreiçom operária que permitiu o triunfo da Revoluçom bolchevique devemos ler Lenine, extrair leiçons históricas que permanecem plenamente vigentes. No “Estado e a Revoluçom” encontramos respostas teóricas perfeitamente aplicáveis ao que hoje sucede, pois “os grandes problemas da vida dos povos resolvem-se só pola força”.
Ou consideramos obsoleta a declaraçom do I Congresso da Internacional Comunista [março de 1919] de que a “República burguesa –inclusive a mais democrática- nom é mais que um aparelho que permite a um punhado de capitalistas esmagar as massas trabalhadoras”?
 
O PP, a organizaçom criminal que ostenta o governo espanhol é umha banda que representa os interesses dumha voraz e violenta oligarquia que está disposta a empregar toda a força imprescindível, primeiro contra a Catalunha, e se esta é derrotada, posteriormente contra os povos que nom nos deixamos assimilar, mas também contra toda forma de dissidência política e social, para perpetuar os seus obscenos privilégios.
 
Nom nos deixemos arrastar polo relato hegemónico de verniz democraticista e legalista pois “o pacifismo e a prédica abstrata da paz som umha forma de embaucar a classe operária e que nom se rebele contra o seu opressor”. [Lenine]
 
Os processos históricos som teimudos e existem umha série de leis históricas que antes ou depois prevalecem, libertando os povos e a classe trabalhadora das hipotecas e limitaçons impostas por relatos idealistas. Porque o conflito entre a Catalunha e o Estado espanhol vai ser um caso excecional?
 
Passe o que se passar, sempre com a Catalunha insurgente que nom se resigna a renunciar a sua liberdade.
 

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Carlos Morais Carlos Morais nasceu em Mugueimes, Moinhos, na Baixa Límia, a 12 de maio de 1966. Licenciado e com estudos de doutoramento em Arte, Geografia e História pola Universidade de Compostela, tem publicado diversos trabalhos e ensaios de história, entre os quais destacamos A luita dos pisos, Ediciós do Castro, 1996; Crónica de Fonseca, Laiovento, 1996, assim como dúzias de artigos no Abrente, A Peneira, A Nosa Terra, Voz Própria, Política Operária, Insurreiçom, Tintimám, e em publicaçons digitais como Diário Liberdade, Galicia Confidencial, Sermos Galiza, Praza Pública, Odiário.info, Resistir.info, La Haine, Rebelion, Kaosenlared, Boltxe ou a Rosa Blindada, da que fai parte do Conselho assesor. Também tem publicado ensaios políticos em diversos livros coletivos: Para umha Galiza independente, Abrente Editora 2000; De Cabul a Bagdad. A guerra infinita, Dinossauro, 2003; 10 anos de imprensa comunista galega, Abrente Editora 2005; A Galiza do século XXI. Ensaios para a Revoluçom Galega, Abrente Editora 2007; Galiza em tinta vermelha, Abrente Editora 2008; Disparos vermelhos, Abrente Editora 2012. Foi secretário-geral de Primeira Linha entre dezembro de 1998 e novembro de 2014. É membro do Comité Executivo da Presidência Coletiva do Movimento Continental Bolivariano (MCB). Fundador de NÓS-Unidade Popular em junho de 2001, formou parte da sua direçom até a dissoluçom em maio de 2015. Na atualidade, fai parte da Direçom Nacional de Agora Galiza e do Comité Central de Primeira Linha.